O surgimento do rádio como meio de comunicação de massa, nas primeiras décadas do século XX, coincidiu com a ascensão dos regimes fascistas na Europa. Essa convergência não foi acidental. O rádio ofereceu aos movimentos fascistas uma ferramenta inédita: a capacidade de falar diretamente às massas, de forma simultânea, emocional e contínua, ultrapassando barreiras regionais, sociais e culturais. O vínculo entre rádio e fascismo revela como a tecnologia pode ser instrumentalizada politicamente para moldar consciências e consolidar o poder.


O rádio como nova força política

Antes do rádio, a comunicação política dependia sobretudo da imprensa escrita, de comícios presenciais e de intermediários partidários. O rádio alterou radicalmente esse cenário. Pela primeira vez, um líder podia entrar nos lares, falar com milhões de pessoas ao mesmo tempo e criar a sensação de intimidade e presença direta.

Essa característica era particularmente adequada aos regimes fascistas, que se baseavam na mobilização emocional, no culto ao líder e na construção de uma identidade coletiva homogênea. O rádio não apenas informava: ele emocionava, persuadia e disciplinava.


Mussolini e o rádio na Itália fascista

Na Itália de Benito Mussolini, o rádio foi rapidamente integrado ao projeto do Estado fascista. A partir dos anos 1920, o regime passou a controlar rigidamente as transmissões, transformando o rádio em um instrumento de educação política e propaganda.

Os discursos de Mussolini eram transmitidos em cadeia nacional, muitas vezes com caráter ritualístico. A voz do Duce tornava-se símbolo de autoridade, virilidade e destino nacional. Além disso, o regime incentivou a produção e a distribuição de aparelhos de rádio populares, para ampliar o alcance da mensagem oficial.

O rádio italiano reforçava valores como disciplina, obediência, nacionalismo e militarismo, sempre subordinando o indivíduo ao Estado.


O Terceiro Reich e a engenharia da propaganda sonora

Na Alemanha nazista, o uso do rádio atingiu um grau ainda mais sofisticado. Sob a direção de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda, o rádio tornou-se peça central da estratégia de dominação cultural do regime.

O governo incentivou a fabricação do Volksempfänger (“receptor do povo”), um rádio barato e acessível, projetado para captar principalmente emissoras nacionais. Isso garantiu que milhões de alemães tivessem acesso quase exclusivo à propaganda oficial.

Os discursos de Adolf Hitler, cuidadosamente ensaiados e transmitidos ao vivo, exploravam a retórica emocional, o ritmo dramático e a repetição de slogans. O rádio ajudava a criar uma atmosfera de unanimidade, suprimindo a sensação de dissenso e reforçando a ideia de um povo unido sob um líder messiânico.


A estética sonora do fascismo

O fascismo compreendeu rapidamente que o rádio não era apenas um meio informativo, mas também estético e sensorial. Marchas, hinos, músicas épicas e transmissões de grandes eventos públicos eram utilizados para criar uma experiência coletiva de pertencimento.

Essa estética sonora substituía o debate racional por estímulos emocionais. A repetição constante de mensagens, aliada ao controle da linguagem e do tom, produzia um efeito de naturalização da ideologia fascista.

O rádio, nesse contexto, funcionava como uma extensão da praça pública, mas sem o risco do contraditório.


Totalitarismo, controle e silêncio

Um elemento essencial do vínculo entre rádio e fascismo foi o monopólio da comunicação. Em regimes totalitários, não basta difundir a própria mensagem; é necessário silenciar as vozes dissidentes. A censura, o fechamento de emissoras independentes e a criminalização da escuta de rádios estrangeiras faziam parte desse sistema.

Hannah Arendt observou que o totalitarismo depende da destruição do espaço público plural. O rádio, quando controlado pelo Estado, contribuiu decisivamente para esse processo, transformando-se em um instrumento de uniformização do pensamento.


Lições históricas

O vínculo entre rádio e fascismo não implica que a tecnologia seja intrinsecamente autoritária. O problema reside no controle político do meio, na ausência de pluralismo e na exploração emocional das massas.

A experiência do século XX ensina que toda nova tecnologia de comunicação carrega um potencial ambíguo: pode ampliar a liberdade ou servir à dominação. O rádio foi um dos primeiros exemplos claros dessa ambivalência.


Conclusão

O fascismo soube explorar o rádio como poucos movimentos políticos antes ou depois dele. Transformou uma inovação técnica em uma poderosa arma de propaganda, mobilização e controle social. Compreender essa relação é fundamental não apenas para a história, mas para refletir criticamente sobre o uso contemporâneo dos meios de comunicação de massa e sua influência sobre a política e a cultura.


Fontes

  • ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo.
  • GOEBBELS, Joseph. Diários.
  • KERSHAW, Ian. Hitler: 1889–1936 – Hubris.
  • MOSSE, George L. The Nationalization of the Masses.
  • BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. A Social History of the Media.
  • ECO, Umberto. Cinco Escritos Morais (ensaio sobre o fascismo eterno).

Até mais!

Tête-à-Tête