Publicado em 1909, Como Formar o Gosto Literário (no original Literary Taste: How to Form It), de Arnold Bennett, é uma obra que une orientação prática, reflexão cultural e paixão pela literatura. Conhecido por seus romances sobre a vida da classe média inglesa e por seus textos críticos e ensaísticos, Bennett aqui assume o papel de mentor intelectual: dirige-se a leitores comuns que desejam educar sua sensibilidade estética, cultivar o hábito da leitura e, sobretudo, aprender a apreciar a literatura de forma consciente e enriquecedora.
O livro reflete não apenas o gosto pessoal do autor, mas também as tensões culturais de seu tempo. No início do século XX, o acesso aos livros estava se tornando mais democrático graças ao barateamento da impressão e à popularização das bibliotecas públicas. Ao mesmo tempo, crescia o risco de leituras superficiais ou meramente comerciais. Diante disso, Bennett procura guiar o leitor rumo a um gosto literário mais sólido e refinado, sem cair no pedantismo ou na exclusão elitista.
O conceito de “gosto literário”
Bennett define o gosto literário não como um dom inato ou um privilégio reservado a especialistas, mas como uma competência que pode ser cultivada. Ter gosto literário, para ele, significa ser capaz de distinguir o que há de duradouro e profundo na literatura em meio à massa de publicações efêmeras. É reconhecer o valor artístico e humano de uma obra, além de obter dela não apenas entretenimento, mas também crescimento intelectual e moral.
Para tanto, é preciso um equilíbrio entre disciplina e prazer. Bennett insiste que a leitura deve ser cultivada como hábito, com método e perseverança, mas também como deleite pessoal. A educação do gosto não deve transformar-se em obrigação árida ou ostentação cultural, mas em fonte de alegria e enriquecimento interior.
A formação de um cânone pessoal
Uma das passagens mais interessantes do livro é a proposta de um “plano de leitura” para os que desejam aprimorar seu gosto literário. Bennett sugere que o leitor se aproxime dos clássicos com constância, ainda que em pequenas doses, construindo gradualmente um repertório sólido. Shakespeare, Milton, Wordsworth, Jane Austen e outros autores do cânone inglês ocupam lugar de destaque em sua recomendação.
O autor, no entanto, não defende uma adesão cega a listas fixas. Ele ressalta que cada leitor deve construir, com o tempo, um cânone pessoal, fruto de suas experiências e afinidades. O gosto literário, afinal, não é apenas técnica, mas também sensibilidade e diálogo entre a obra e a vida de quem a lê.
Contra o consumo apressado
Um ponto forte da crítica de Bennett é sua advertência contra a leitura apressada e fragmentada. Já no início do século XX, ele percebia a tentação de consumir literatura como mero passatempo descartável, sem reflexão ou aprofundamento. Para ele, a pressa e a superficialidade impedem o verdadeiro encontro com a obra literária.
Bennett defende, em oposição a isso, uma leitura lenta, atenta e meditativa, em que o leitor se deixa impregnar pelo estilo, pelos ritmos e pelas ideias do autor. O gosto literário se forma, sobretudo, pela repetição desse contato intenso com os grandes textos.
O papel da disciplina
Outro aspecto central do livro é o elogio da disciplina. Bennett aconselha seus leitores a estabelecer metas e rotinas de leitura, mesmo que modestas. Sugere, por exemplo, que se dedique diariamente um tempo fixo para a literatura, independentemente das demandas do trabalho ou da vida prática. Essa constância é vista como essencial para a formação de um verdadeiro amante da literatura.
É interessante notar que essa valorização da disciplina se conecta a outras obras de Bennett, como How to Live on 24 Hours a Day, em que o autor oferece conselhos práticos sobre administração do tempo. Em todos os casos, ele busca conciliar a vida moderna, com suas pressões e exigências, ao cultivo da cultura e da reflexão pessoal.
Limites e atualidade da obra
Naturalmente, Como Formar o Gosto Literário reflete os limites do contexto cultural em que foi escrito. A ênfase quase exclusiva na tradição inglesa e europeia pode soar restritiva para o leitor contemporâneo, habituado a uma visão mais plural e multicultural da literatura. Além disso, sua concepção de cânone literário, ainda que flexível, mantém-se bastante ligada aos valores de seu tempo e classe social.
No entanto, o livro conserva uma notável atualidade em sua mensagem central: a ideia de que a leitura literária deve ser cultivada com seriedade, prazer e disciplina, e de que formar o gosto não significa seguir modismos, mas desenvolver uma sensibilidade crítica e duradoura. Em uma época de excesso de estímulos digitais e de consumo rápido de informação, o convite de Bennett a uma leitura mais profunda e atenta soa ainda mais pertinente.
Como Formar o Gosto Literário, de Arnold Bennett, é ao mesmo tempo um manual prático, um manifesto cultural e uma declaração de amor à literatura. O autor nos lembra que o gosto não é uma questão de erudição vazia ou de pedantismo intelectual, mas de hábito, atenção e abertura para a experiência estética.
Ao propor disciplina sem perder de vista o prazer, Bennett oferece uma via equilibrada para a formação do leitor. Sua mensagem, mais de um século depois, permanece relevante: em meio à avalanche de textos que nos cercam, formar o gosto literário é um exercício de liberdade e de autoconhecimento.
Arnold Bennett defende que o gosto literário não nasce pronto, mas pode ser cultivado pela leitura constante e atenta dos clássicos. Sua obra é um guia acessível e apaixonado para quem deseja transformar a leitura em fonte de prazer e enriquecimento pessoal, mantendo-se atual mesmo diante dos desafios do mundo contemporâneo.
Até mais!
Tête-à-Tête

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