Publicado originalmente em folhetins entre 1911 e 1915 e reunido em livro em 1915, Triste Fim de Policarpo Quaresma é uma das obras mais representativas do pré-modernismo brasileiro. Escrita por Lima Barreto, a obra retrata, com crítica ácida e amargura cômica, a trajetória de um idealista que deseja transformar o Brasil em uma grande nação, mas acaba esmagado pelas instituições que tenta servir. O romance é uma denúncia ao nacionalismo ingênuo, ao autoritarismo e à inércia social do Brasil republicano da virada do século XIX para o XX.


Enredo e Estrutura

A obra é dividida em três partes, que correspondem a três momentos-chave da vida do protagonista, Policarpo Quaresma: sua atuação como funcionário público e nacionalista fervoroso; sua tentativa de regenerar o país a partir do campo; e, por fim, sua participação desiludida e trágica na política e na repressão militar do governo de Floriano Peixoto.

No início, Quaresma é apresentado como um pacato e excêntrico funcionário público, morador do subúrbio carioca e apaixonado por tudo que diz respeito ao Brasil. Seu nacionalismo é tão intenso que chega a propor, por meio de um memorando enviado ao Congresso, que o tupi-guarani seja adotado como língua oficial do país — iniciativa que o torna alvo de zombarias e o conduz a um internamento em um hospício, representando simbolicamente a rejeição social ao pensamento que foge à norma.

Na segunda parte, renunciando à burocracia e à cidade, Quaresma retira-se para o campo, buscando regenerar o Brasil por meio da agricultura. Instala-se no Sítio Sossego, mas novamente encontra obstáculos estruturais e sociais intransponíveis: a má qualidade da terra, a ausência de apoio técnico, a corrupção local e a lentidão burocrática. O sonho rural se transforma, mais uma vez, em frustração.

Na parte final, em meio à Revolta da Armada (1893–94), Policarpo decide apoiar o presidente Floriano Peixoto, acreditando que o “Marechal de Ferro” era o defensor da pátria. No entanto, ao constatar a violência, as injustiças e os abusos cometidos pelo regime, Quaresma denuncia as atrocidades, é acusado de traição e termina executado, vítima de sua própria fé nas instituições e na ideia de um Brasil redentor.


Personagens

Além de Policarpo Quaresma, o romance apresenta uma galeria de personagens secundários que reforçam o contraste entre os ideais do protagonista e a realidade vulgar e corrupta da sociedade:

  • Dona Adelaide e Ismênia – representantes de uma vida doméstica opaca e superficial, alheia ao projeto patriótico de Quaresma.
  • Ricardo Coração dos Outros – músico popular e caricatural que fornece um contraponto irônico à pureza do herói.
  • General Albernaz e o Coronel Bustamante – figuras ligadas ao poder militar e político, que revelam a mediocridade das elites dirigentes.
  • Coleoni – chefe de Quaresma e símbolo da burocracia emperrada e desumana.

Esses personagens, com seus comportamentos mecânicos, repetitivos e desprovidos de consciência crítica, ajudam a construir a sensação de isolamento de Policarpo, o qual, por mais que tente, não consegue dialogar com o mundo à sua volta.


Estilo e Linguagem

A linguagem do romance oscila entre a formalidade do discurso patriótico de Quaresma e a ironia mordaz do narrador. Lima Barreto emprega um estilo direto, com frases curtas, observações cáusticas e um tom que por vezes beira o cômico, mesmo diante das tragédias. Seu objetivo é claro: desmascarar a hipocrisia das instituições, o nacionalismo vazio e o culto à ignorância que dominava a recém-formada República brasileira.

O humor, por vezes melancólico, é um dos traços marcantes da obra. Ele aparece como ferramenta de crítica social e de denúncia do atraso. Quaresma é retratado com respeito, mas também com certa dose de pena — um homem fora de seu tempo, ingênuo, mas genuinamente patriota, cercado por um mundo que não quer ser salvo.


Temas Principais

Nacionalismo e Identidade Brasileira

A grande bandeira de Quaresma é o amor ao Brasil. Contudo, esse amor se revela inócuo diante da realidade nacional. Sua tentativa de mudar o idioma, promover a agricultura e participar da política mostra-se fracassada porque as instituições e o povo não estão preparados ou interessados em sua visão utópica. A obra satiriza o nacionalismo retórico, descolado da realidade social, e questiona: é possível amar um país que não corresponde ao ideal?

Fracasso das Instituições

Lima Barreto denuncia o funcionalismo público ineficiente, a justiça falha, o autoritarismo militar, a política clientelista e o descaso com a cultura e a educação. Todas as esferas do poder, ao invés de fomentar o progresso, o impedem. A execução final de Quaresma representa o fim do idealismo e a vitória da ignorância e da brutalidade institucional.

Utopia e Desilusão

A trajetória de Policarpo Quaresma é a de um homem utópico que sonha com um país ideal, mas colide com uma sociedade violenta, corrupta e medíocre. Seu “triste fim” é a confirmação de que, no Brasil da Primeira República, o sonho de regeneração nacional estava condenado à morte. A obra, portanto, é profundamente pessimista, embora traga no protagonista a nobreza do idealismo.

Crítica ao Autoritarismo

O apoio inicial de Quaresma ao governo de Floriano Peixoto revela sua confiança nas autoridades. Mas, à medida que testemunha execuções sumárias e perseguições, percebe que o autoritarismo é incompatível com a justiça e a liberdade. Sua denúncia ao regime marca seu fim. Lima Barreto mostra como o Estado republicano, que deveria representar os ideais de liberdade e cidadania, se converteu em instrumento de opressão.


Importância da Obra

Triste Fim de Policarpo Quaresma é um marco da literatura brasileira pré-modernista. Antecipando críticas que só se tornariam populares com o Modernismo de 1922, Lima Barreto oferece uma visão amarga e lúcida do Brasil do início do século XX. Seu estilo, mais coloquial e acessível, contrasta com o rebuscamento acadêmico vigente e inaugura uma literatura socialmente engajada, sensível aos problemas reais do povo.

Policarpo Quaresma tornou-se, ao longo do tempo, um símbolo do idealista frustrado, do brasileiro que ama sua pátria apesar dela. Seu trágico fim representa o destino de todos os que acreditam, de forma sincera, que é possível mudar o país apenas com boas intenções.


Conclusão

Triste Fim de Policarpo Quaresma é uma leitura essencial para compreender o Brasil e seus dilemas históricos. Lima Barreto constrói um personagem comovente, honesto e patético, cujos sonhos grandiosos são esmagados pela dura realidade. Com ironia, crítica social e sensibilidade, o autor faz um retrato do Brasil que continua, em muitos aspectos, atual: um país de potencial imenso, mas preso a estruturas arcaicas, injustiças e indiferença.

Mais do que um romance político, é uma tragédia do idealismo, um alerta para os perigos do nacionalismo cego e uma homenagem triste ao espírito incorruptível de um brasileiro que acreditava no impossível.


Até mais!

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