O livro “Invasão Vertical dos Bárbaros”, de Mário Ferreira dos Santos, é uma das mais importantes obras do pensamento filosófico brasileiro. Publicado pela primeira vez em 1967, o livro aborda um tema que, à época, parecia distante do Brasil, mas que hoje se mostra cada vez mais pertinente: a ascensão da barbárie intelectual e moral nas sociedades modernas. Essa “invasão” não se dá pela força física, mas pela decadência cultural e moral, que penetra as instituições e as consciências, comprometendo a civilização. Nesta resenha, vamos explorar as ideias centrais da obra e refletir sobre seu impacto na atualidade.

O Contexto da “Invasão Vertical”
A premissa do livro parte de uma analogia histórica. No passado, o Império Romano foi gradualmente tomado pelos bárbaros do norte da Europa, que eventualmente destruíram sua estrutura política, econômica e cultural. No entanto, essa invasão foi “horizontal” – ou seja, tratava-se de um movimento de um grupo externo, geograficamente distante, que veio a penetrar o império. Para Mário Ferreira dos Santos, algo similar ocorre na modernidade, mas de forma “vertical”. Ou seja, a barbárie não vem de fora, mas de dentro das sociedades, avançando pelas suas instituições e camadas mais elevadas, principalmente na cultura, na política e na educação.
Segundo o filósofo, o que caracteriza essa invasão é a ascensão de um pensamento simplista, antitradicional, que rejeita a reflexão profunda, o rigor intelectual e o respeito pelas grandes obras da cultura ocidental. Os “bárbaros” não são povos estrangeiros, mas aqueles que, dentro das próprias sociedades civilizadas, rejeitam os valores que fundamentaram a civilização ocidental, substituindo-os por modismos e ideologias superficiais. É uma crítica feroz à deterioração da qualidade do pensamento e da ação no mundo contemporâneo.
Filosofia e Cultura
A obra de Mário Ferreira dos Santos está profundamente enraizada na filosofia, e em “Invasão Vertical dos Bárbaros” ele faz um chamado pela restauração da verdadeira filosofia, aquela que não se limita a modismos ou ideias de fácil assimilação. Para ele, o problema fundamental reside na forma como a filosofia passou a ser tratada nas academias e na vida pública. Em vez de buscar a verdade por meio do rigor lógico e dialético, muitos filósofos modernos se entregaram ao relativismo, ao pragmatismo e ao niilismo. A busca pela verdade, essencial para a civilização, foi gradualmente substituída pela busca pelo poder, pelo sucesso fácil e pela gratificação instantânea.
Mário Ferreira faz uma defesa veemente do logos, a razão como instrumento de elevação do ser humano. Ele sustenta que o verdadeiro progresso intelectual depende da preservação e da continuidade do pensamento clássico, que, em sua essência, busca entender o mundo de forma holística e profunda. A filosofia, para ele, não é um jogo de palavras ou uma ferramenta de manipulação ideológica, mas o caminho pelo qual a verdade pode ser conhecida e vivida. Nesse sentido, ele denuncia a infiltração de doutrinas que desprezam o papel da razão e da tradição.
A Crítica à Modernidade
Ao longo do livro, Mário Ferreira dos Santos apresenta uma crítica rigorosa à modernidade. Para ele, a era moderna, especialmente a partir do Iluminismo e da Revolução Francesa, traz consigo uma promessa de libertação e progresso que, ao rejeitar os fundamentos da tradição, culmina em uma sociedade desorientada. Ele vê na modernidade um grande projeto fracassado que, ao romper com os valores tradicionais, abriu espaço para a ascensão da barbárie intelectual.
A democracia moderna, por exemplo, é vista por Mário Ferreira como um dos campos mais afetados pela invasão bárbara. Ele argumenta que, ao invés de fortalecer a participação consciente dos cidadãos, a democracia moderna tende a favorecer a ascensão de líderes populistas que se utilizam da ignorância e da apatia do povo para consolidar seu poder. Esse é um fenômeno que ele observa em várias partes do mundo, incluindo o Brasil, onde as elites políticas, intelectuais e culturais passaram a promover ideologias que minam os valores civilizacionais em nome de uma falsa ideia de progresso.
Além da política, a educação é outro campo onde a invasão se faz sentir de forma profunda. Para o autor, o sistema educacional moderno, longe de formar cidadãos críticos e conscientes, promove a superficialidade e o conformismo. O pensamento crítico e filosófico é substituído por doutrinas que visam o controle social, impedindo o desenvolvimento de uma verdadeira autonomia intelectual. Nesse sentido, ele vê a decadência da educação como um dos principais sintomas da barbárie.
A Civilização em Risco
Mário Ferreira dos Santos vê a civilização ocidental como algo em sério risco. Para ele, o colapso dos valores tradicionais e a ascensão da barbárie intelectual são sintomas de uma crise mais profunda: a perda de contato com a transcendência. Ele argumenta que a civilização ocidental foi construída com base em valores que reconheciam a centralidade do divino, do sagrado, na vida humana. Com o advento do secularismo e do materialismo, essa dimensão foi progressivamente suprimida, deixando um vazio que as ideologias modernas tentam preencher.
No entanto, essas ideologias, segundo ele, não oferecem respostas adequadas para os dilemas humanos. Ao invés de elevar o espírito humano, elas reduzem o homem a um simples consumidor, um ser voltado apenas para a satisfação de suas necessidades imediatas. O resultado disso é uma sociedade atomizada, onde os laços de solidariedade, a busca pelo conhecimento e o respeito pelos valores eternos são gradualmente corroídos. Esse processo, para Mário Ferreira, é a essência da invasão vertical dos bárbaros: uma substituição do elevado pelo trivial, do verdadeiro pelo efêmero.
A Proposta de Mário Ferreira
Apesar de sua crítica severa à modernidade, Mário Ferreira dos Santos não oferece apenas um diagnóstico pessimista. Ele propõe uma renovação espiritual e intelectual como resposta à barbárie. Para ele, é preciso resgatar os valores clássicos, a tradição filosófica e o respeito pela transcendência. Ele acredita que apenas por meio de um retorno aos fundamentos da civilização ocidental – o respeito pela verdade, pela razão e pelo sagrado – é que podemos reverter o processo de decadência que ameaça a sociedade contemporânea.
Sua proposta passa, também, por uma renovação da educação. Ele defende que a educação deve voltar a ser um instrumento de elevação espiritual e intelectual, onde os estudantes são incentivados a pensar de forma crítica e a buscar a verdade. Para ele, isso só é possível se rompermos com os modismos pedagógicos que dominam as escolas e universidades e voltarmos a uma educação baseada na filosofia clássica, na lógica e no estudo dos grandes textos da tradição ocidental.
A Relevância Atual
Embora tenha sido escrito há mais de cinco décadas, “Invasão Vertical dos Bárbaros” se mantém extremamente relevante no contexto atual. As preocupações de Mário Ferreira dos Santos com a decadência cultural, a corrupção do pensamento e a superficialidade das instituições são ressoantes com os desafios que a sociedade enfrenta hoje. Em um mundo marcado pelo avanço do relativismo cultural, da fragmentação social e da crise de identidade, suas palavras soam como um alerta urgente.
Sua obra convida o leitor a refletir sobre o papel que desempenha na preservação da civilização e na luta contra a barbárie. Ao defender a importância da filosofia, da educação e da transcendência, Mário Ferreira nos lembra que o futuro da civilização depende de nossa disposição para defender os valores que a sustentam.
“Invasão Vertical dos Bárbaros” é uma obra indispensável para aqueles que desejam compreender a crise cultural e espiritual da modernidade. Mário Ferreira dos Santos oferece uma análise profunda e rigorosa das forças que ameaçam a civilização ocidental e propõe caminhos para sua renovação. Sua crítica ao pensamento moderno e à decadência das instituições é ao mesmo tempo um alerta e um chamado à ação, convidando-nos a resistir à barbárie e a trabalhar pela restauração de uma verdadeira cultura de elevação espiritual e intelectual.
Até mais!
Equipe Tête-à-Tête

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