Otto Maria Carpeaux | Diário da Noite, 1943)

Traições, derrotas, erros e crimes — Entre Hitler e Mussolini, a grande tragédia do Príncipe de Starhemberg

Eram duma complicação danada, os problemas sociais, nacionais, internacionais da velha Áustria, coração da velha Europa. De modo que era preciso “aprender austríaco”; nós austríacos distinguíamos cidadãos simples e “austríacos especializados”. Mas um país de especialistas não pode sobreviver, e a Áustria perdeu-se irremediavelmente. Para os cidadãos do grande mundo lá fora — todos “austríacos simples” em negócios da Áustria — o caso ficou incompreensível; revelara a sua importância só quando a queda da Áustria causou, quase imediatamente, a queda da Europa, levando assim o mundo inteiro à beira do abismo.

Por isso, o caso da Áustria representa ainda uma grande lição, uma advertência. E por isso, o livro do Príncipe Starhemberg[1], Entre Hitler e Mussolini[2], não é um frio capítulo da história; é um livro atualíssimo.

Desejo ardentemente que encontre no Brasil o maior número possível de leitores, para ler, com curiosidade e com espírito crítico, as suas linhas — e as suas entrelinhas.

Estas últimas, também, e sobretudo: o livro está, como o seu autor, sincero e equivocado.

Ernst Rüdiger, Príncipe Starhemberg

Conheci o Príncipe Starhemberg: último filho de velhíssima casa aristocrática, força vital ainda não quebrada, inteligência menos desenvolvida. Distinguiu-se pela sinceridade e certo senso de honra do seu entourage de ladrões brutais e imbecis, dos quais uma parte sobrevive, infelizmente, e ainda pretende mandar, até entre os chamados “austríacos livres” no Brasil. Como eles, Starhemberg não era “austríaco especializado”; é um simplista.

Não compreendendo nada dos problemas austríacos e europeus, quis resolvê-los pela violência, enganado por seus mestres em Berlim e Roma. Caiu logo na armadilha do funesto slogan “Hitler ou Stalin”, e para não trair sua pátria ao ditador alemão, inventou a outra alternativa: “Hitler ou Mussolini”. Caiu vítima de ambos.

Hoje, o cavalheiro pretende ser convertido; chama “erros” os seus crimes sangrentos. Ainda não compreende o desastre que causou, com a melhor boa vontade do mundo.

Esta mistura de boa vontade e de incapacidade intolerante e desastrosa, estado de espírito tão comum no mundo inteiro de hoje, isto é o que está nas entrelinhas deste livro, e o transforma em lição, em advertência.

Estado de espírito que parece irremediável. É demonstração viva a ignorância, ainda muito freqüente, das coisas da Áustria, no mundo e no Brasil; ignorância da qual vive — só assim é possível — o estado de espírito, irremediável, de muitos austríacos, no mundo e no Brasil, que ainda se gabam das suas atrocidades e imbecilidades, que ainda pretendem mandar em “comitês”, burlando as autoridades e constituindo veneno contagioso.

É preciso conhecer essa gente.

No livro do Príncipe Starhemberg ela aparece como testemunha perante a História; não: como réu, um réu que diz a verdade, mas nem toda a verdade. Contudo, entre as linhas que descrevem ingenuamente as negociações sujas entre ditadores e ditadores-aspirantes, as traições premeditadas e as derrotas imprevistas, aparecem também as sombras dos mortos, das vítimas, e as sombras dos vivos-mortos.

É preciso ler, com espírito crítico, o livro do Príncipe Starhemberg; as linhas e as entrelinhas.

Notas

[1] (1899–1956). Vice-chanceler da Áustria (1934–1936), por três dias sucedeu interinamente o Chanceler Dollfuss que fora assassinado.
[2] Ed. bras.: Entre Hitler e Mussolini (trad. Costa Neves, Rio de Janeiro, O Cruzeiro, 1943).


Até mais!

Equipe Tête-à-Tête