Entre os conceitos mais fundamentais da filosofia de Aristóteles estão potência (dýnamis) e ato (enérgeia ou entelécheia). Esses termos formam o núcleo de sua metafísica e oferecem uma explicação profunda sobre o modo como as coisas são, podem ser e se tornam. Longe de serem noções abstratas, potência e ato constituem uma chave interpretativa para compreender a natureza, a mudança, a ética e até a política aristotélica.


O problema do devir

Aristóteles herda da filosofia grega um problema central: como explicar a mudança sem cair na contradição? Parmênides afirmava que o ser é imutável; Heráclito via tudo como fluxo. Aristóteles propõe uma solução intermediária: a mudança é real, mas inteligível.

Ela ocorre porque o ser possui potências que podem ser atualizadas em atos. Assim, algo pode ser, ao mesmo tempo, o que é agora e aquilo que pode vir a ser.


O que é potência (dýnamis)

Potência é a capacidade real de algo tornar-se outra coisa ou de agir de determinado modo. Não se trata de mera possibilidade abstrata, mas de uma disposição fundada na natureza do ente.

Exemplos clássicos:

  • uma semente é potencialmente uma árvore;
  • uma criança é potencialmente um adulto;
  • o mármore é potencialmente uma estátua;
  • o ser humano é potencialmente virtuoso.

A potência indica abertura ao devir, mas não garante sua realização. Para que a potência se atualize, é necessária uma causa adequada.


O que é ato (enérgeia / entelécheia)

Ato é a realização plena daquilo que estava em potência. É o ser em sua forma atual, determinada e efetiva.

Quando a semente se torna árvore, a potência é atualizada em ato. Quando o escultor conclui a estátua, o mármore passa do poder-ser ao ser.

Aristóteles utiliza dois termos para ato:

  • enérgeia: atividade em exercício, ação em curso;
  • entelécheia: realização completa, fim alcançado.

Ambos expressam a plenitude do ser em relação à sua natureza.


Potência e ato como estrutura da realidade

Para Aristóteles, toda a realidade sublunar é estruturada por essa relação. Os entes não são blocos estáticos, mas processos orientados. A potência aponta para o ato como seu fim natural.

Essa estrutura teleológica significa que a mudança não é caótica: ela tende a uma forma própria. Cada ser possui um modo de realização que lhe é adequado.


Ato como prioridade ontológica

Embora a potência seja necessária para explicar a mudança, Aristóteles afirma a prioridade do ato:

  • o ato é anterior em definição;
  • o ato é anterior em substância;
  • o ato é anterior em valor.

Nada pode estar em potência se não houver algum ato que a fundamente. Até mesmo o movimento exige um princípio atual. Esse raciocínio conduz ao conceito do Ato Puro, identificado com o Motor Imóvel, que move tudo sem ser movido.


Implicações éticas

Na ética aristotélica, potência e ato explicam a formação do caráter. O ser humano nasce com a potência para a virtude, mas só a realiza em ato por meio do hábito (héxis).

Ninguém é virtuoso apenas em potência. A virtude exige exercício, repetição e escolha racional. A felicidade (eudaimonia) é a vida em ato conforme a excelência própria do homem: a razão.


Implicações políticas

Na política, Aristóteles entende a pólis como realização da potência social do homem. A comunidade política é o ato pleno da tendência humana à convivência ordenada.

Da mesma forma, cargos e funções públicas devem ser ocupados por aqueles que atualizam em ato as virtudes necessárias ao governo, não apenas por quem as possui em potência.


Contra o reducionismo moderno

A distinção entre potência e ato oferece um antídoto contra visões mecanicistas ou deterministas da realidade. Ela preserva:

  • a inteligibilidade da mudança;
  • a liberdade humana;
  • a ideia de finalidade.

Ao mesmo tempo, evita o voluntarismo absoluto, pois a potência está sempre vinculada à natureza do ser.


Conclusão

A teoria aristotélica da potência e do ato é uma das mais poderosas ferramentas conceituais da filosofia ocidental. Ela explica como as coisas mudam sem perder sua identidade, como o ser humano se realiza eticamente e como a realidade possui uma ordem inteligível.

Potência e ato não são apenas conceitos metafísicos: são uma lição sobre responsabilidade. O homem não é apenas aquilo que é, mas aquilo que pode e deve tornar-se. A verdadeira realização consiste em atualizar, em ato, as melhores potências de sua própria natureza.


Até mais!

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