A filosofia moderna sofreu uma de suas maiores inflexões com a obra de Immanuel Kant, especialmente na Crítica da Razão Pura (1781). Antes dele, a disputa principal da teoria do conhecimento oscilava entre o empirismo britânico — representado por Locke, Berkeley e Hume — e o racionalismo continental — de Descartes, Leibniz e Spinoza. Para os empiristas, todo conhecimento derivava da experiência sensível; para os racionalistas, as ideias inatas e o pensamento puro eram a fonte mais segura da verdade. Kant, contudo, propôs uma solução inédita: ao invés de perguntar apenas o que é possível conhecer, investigou quais são as condições da possibilidade do conhecimento humano, inaugurando assim o chamado idealismo transcendental.

A crítica kantiana não nega o mundo externo nem afirma que tudo seja produto da mente; seu ponto central é que, mesmo havendo uma realidade em si (númeno), só temos acesso aos fenômenos organizados pelas estruturas da razão humana. Espaço e tempo, por exemplo, não seriam propriedades das coisas, mas formações da sensibilidade que tornam possível qualquer percepção. Do mesmo modo, categorias como causalidade, substância, unidade e pluralidade, seriam funções lógicas a priori que organizam a experiência. Assim, o conhecimento seria resultado da síntese entre dados sensoriais e formas mentais, dissolvendo o dualismo empirista–racionalista com a célebre tese: “Pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceitos são cegas.”

Essa virada crítica abriu caminho para o chamado idealismo alemão, movimento filosófico da virada do século XVIII para o XIX que buscou desenvolver, superar ou radicalizar o projeto kantiano usando sua base transcendental como ponto de partida. Entre os representantes mais influentes estão Johann Gottlieb Fichte, Friedrich Schelling e Georg Wilhelm Friedrich Hegel, cada qual ampliando a noção de sujeito, liberdade e realidade.

Fichte transformou o idealismo transcendental em idealismo absoluto, afirmando que o Eu produz não apenas a forma do conhecimento, mas também a realidade objetiva, entendida como limite necessário da ação prática da consciência. Assim, o não-eu não seria um mundo dado, mas uma oposição posta pelo próprio sujeito para que ele possa agir, tornando a liberdade não apenas fundamento ético, mas também ontológico.

Schelling, por sua vez, procurou reconciliar natureza e espírito em uma filosofia da identidade. Ele argumentou que a natureza não é apenas o objeto da consciência, mas uma manifestação originária do absoluto — uma espécie de “espírito visível” — enquanto o espírito seria “natureza invisível”. Surge assim uma metafísica estética, onde a arte, especialmente, revela a unidade profunda entre sujeito e objeto.

Finalmente, Hegel levou o idealismo a seu ápice dialético, afirmando que a realidade é um processo histórico e racional no qual o espírito se reconhece progressivamente através da cultura, da arte, da religião e da filosofia. O absoluto não é um dado imutável, mas um vir-a-ser, e o conhecimento atinge sua forma mais elevada quando compreende esse movimento total.

Em síntese, Kant forneceu os instrumentos críticos para limitar a pretensão racionalista e o ceticismo empirista, inaugurando o exame da razão sobre si mesma. O idealismo alemão, por sua vez, transformou essa base em uma aventura metafísica ousada, ampliando o papel do sujeito e da história. Sem essa evolução, a filosofia contemporânea — da fenomenologia ao existencialismo, da hermenêutica à teoria crítica — teria natureza muito distinta. A crítica kantiana, portanto, permanece não apenas como ruptura, mas como fundação.


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