Mário Ferreira dos Santos ocupa um lugar singular no pensamento brasileiro do século XX. Filósofo autodidata, ensaísta prolífico e sistemático, construiu uma obra vasta e ambiciosa, orientada pela busca de uma filosofia universal, capaz de integrar lógica, metafísica, ética, política, ciência e cultura. Em um ambiente intelectual frequentemente marcado pela importação acrítica de correntes estrangeiras, Mário Ferreira destacou-se por sua originalidade e independência.
Vida
Mário Ferreira dos Santos nasceu em Tietê, São Paulo, em 16 de setembro de 1907. Desde cedo revelou inclinação para o estudo e uma curiosidade intelectual incomum. Autodidata em grande medida, dominava diversos idiomas — entre eles latim, grego, francês, alemão e inglês — o que lhe permitiu acesso direto às grandes tradições filosóficas.
Atuou profissionalmente como editor, tradutor e escritor, o que lhe garantiu relativa autonomia intelectual. Foi responsável por traduções importantes de autores clássicos e modernos, sempre acompanhadas de comentários críticos. Apesar de não ter ocupado cátedras universitárias, manteve intensa produção intelectual e diálogo com leitores e estudiosos fora do meio acadêmico.
Mário Ferreira viveu à margem das correntes dominantes da universidade brasileira, especialmente do positivismo tardio e das leituras marxistas então em voga. Faleceu em 1968, deixando uma obra monumental ainda em processo de redescoberta.
Projeto filosófico
O núcleo de sua filosofia está na tentativa de construir uma síntese filosófica capaz de superar os reducionismos modernos. Para Mário Ferreira, a crise da civilização ocidental derivava da fragmentação do saber, da negação da metafísica e da absolutização de perspectivas parciais.
Seu projeto buscava:
- restaurar a metafísica do ser;
- integrar razão, experiência e tradição;
- recuperar o valor da lógica como fundamento do pensamento;
- oferecer uma visão orgânica da realidade.
Ele dialogou intensamente com Aristóteles, Tomás de Aquino, Platão, os escolásticos, bem como com filósofos modernos, sem jamais submeter-se integralmente a uma escola específica.
A Filosofia Concreta
Uma das contribuições centrais de Mário Ferreira dos Santos é o conceito de Filosofia Concreta. Diferentemente das abstrações vazias ou dos sistemas puramente formais, a filosofia concreta parte da realidade tal como ela se manifesta, sem abdicar do rigor conceitual.
Para ele, o pensamento deve:
- respeitar a estrutura do ser;
- evitar reduções materialistas ou idealistas;
- articular o universal e o particular.
Essa abordagem permitia-lhe criticar tanto o positivismo cientificista quanto o subjetivismo moderno.
Obra
A produção de Mário Ferreira dos Santos é vasta, ultrapassando cinquenta volumes, muitos deles organizados em séries sistemáticas.
Principais obras
- Filosofia Concreta – exposição de seu método filosófico fundamental.
- Ontologia e Cosmologia – estudo do ser, das categorias e da estrutura da realidade.
- Lógica e Dialética – defesa da lógica como instrumento essencial do conhecimento.
- Tratado de Simbólica – análise dos símbolos como mediação entre o sensível e o inteligível.
- Análise das Teses de Marx – crítica filosófica e lógica do marxismo.
- Pitágoras e o Tema do Número – investigação metafísica e simbólica do número.
- O Homem que Foi um Campo de Batalha – reflexão ética e antropológica.
Sua obra percorre temas como metafísica, ética, política, psicologia, estética, linguagem e religião, sempre com forte preocupação sistemática.
Crítica à modernidade
Mário Ferreira dos Santos foi um crítico severo da modernidade filosófica. Via no abandono da metafísica clássica a raiz do niilismo contemporâneo. Para ele, o cientificismo reduzia o real ao mensurável, enquanto o relativismo dissolvia a verdade.
Sua crítica estendia-se também às ideologias políticas modernas, sobretudo ao marxismo, que considerava uma redução econômica da complexidade humana.
Estilo e recepção
Seu estilo é denso, técnico e exigente, afastando leitores pouco familiarizados com a tradição filosófica. Isso contribuiu para sua marginalização acadêmica, mas também para a formação de um público fiel e profundamente engajado.
Nas últimas décadas, sua obra vem sendo reavaliada e redescoberta, especialmente entre estudiosos interessados em metafísica, filosofia perene e pensamento brasileiro autêntico.
Conclusão
Mário Ferreira dos Santos foi um pensador solitário e original, que ousou construir um sistema filosófico em língua portuguesa, sem concessões ao modismo intelectual. Sua obra representa uma das tentativas mais ambiciosas de restaurar a unidade do saber no Brasil.
Em um tempo de fragmentação e superficialidade, sua filosofia permanece como um convite à profundidade, ao rigor e à busca da verdade como fundamento da vida intelectual e cultural.
Até mais!
Tête-à-Tête

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