Quando Walter Benjamin publicou suas célebres teses Sobre o Conceito de História, deixou para trás um dos textos mais instigantes do século XX. Breve, fragmentário e carregado de imagens teológicas, o ensaio desmonta a visão tradicional da história: rejeita a ideia de progresso contínuo, denuncia o “tempo homogêneo e vazio” e exige uma postura política que resgate a memória dos derrotados. O passado, para Benjamin, não é uma linha, mas uma constelação que brilha de modo súbito quando o presente está disposto a “escová-la a contrapelo”.

Essa ruptura radical, no entanto, nunca passou incólume. Ao longo do século XX e XXI, diversas correntes confrontaram — direta ou indiretamente — a abordagem benjaminiana. O embate não é apenas intelectual: envolve a maneira como entendemos o tempo, a memória e o sentido da história.

O Positivismo Histórico: A História Como Linha Reta

O primeiro grande adversário das teses de Benjamin é o historicismo positivista. Autores como Leopold von Ranke acreditavam que a função do historiador era reconstruir “o que realmente aconteceu”. O tempo, nessa tradição, é linear, contínuo e cumulativo. Cada fato se encaixa numa sequência lógica que conduz, mesmo sem intenção, à noção de progresso.

Benjamin rejeita essa estrutura: para ele, o historicismo anestesia, transforma a história numa vitrine de vitórias e ocultações. Ao celebrar os “vencedores”, apaga as lutas e as violências que sustentaram cada avanço. O confronto, portanto, é estrutural: onde Ranke vê ordem, ele vê conformismo; onde o positivismo vê progresso, ele enxerga catástrofes empilhadas umas sobre as outras.

O Marxismo Ortodoxo e o Determinismo da Luta de Classes

Embora marxista, Benjamin também desafia o marxismo tradicional. Os defensores de um materialismo rígido — como Karl Kautsky — apostam numa história movida por leis necessárias: a luta de classes, inevitavelmente, levaria ao socialismo. A emancipação seria, nesse sentido, fruto do desenvolvimento próprio da economia.

Benjamin rompe esse determinismo. Para ele, a libertação depende de uma interrupção, um “salto do tigre” no passado que destrói o tempo homogêneo e desperta a história dos oprimidos. Não há garantia alguma de redenção; há apenas a responsabilidade política diante dos que foram silenciados. Assim, sua crítica atinge o cerne do marxismo ortodoxo: o futuro não está assegurado, ele precisa ser arrancado.

Habermas e a Modernidade Como Projeto Racional

Jürgen Habermas, embora não se coloque como um antagonista explícito de Benjamin, representa uma linha intelectual que se afasta radicalmente do tom messiânico das teses. Para Habermas, a modernidade é um projeto inacabado, sustentado pela razão comunicativa e pela ampliação de espaços de diálogo.

A crítica implícita é evidente: a história avança não por irrupções teológicas ou constelações misteriosas, mas pela construção racional, cotidiana, de instituições democráticas. A utopia benjaminiana — abrupta, quase religiosa — parece excessivamente enigmática, enquanto Habermas aposta na clareza da razão pública.

Hannah Arendt e a Ação Como Criação de Mundo

Arendt admira Benjamin, mas revisa sua filosofia da história. Para ela, o sentido histórico não nasce de redenções messiânicas, mas da capacidade humana de iniciar algo novo. A história é marcada pela pluralidade e pela contingência, não pela necessidade nem pela interrupção redentora. Enquanto Benjamin olha para trás em busca dos silenciados, Arendt olha para o presente, para a ação política que funda novos começos.

Assim, embora próxima em sensibilidade, ela confronta o fundo teológico das teses e desloca o foco da memória para a natalidade.

Foucault: Rupturas Sem Redenção

Michel Foucault também entra em tensão com Benjamin. Ambos rejeitam o progresso histórico, mas por motivos distintos. A genealogia foucaultiana não busca salvar o passado — ela investiga as tramas de poder que moldam práticas e discursos. A história, para Foucault, é feita de rupturas, acidentes e dispositivos, não de constelações messiânicas.

O choque é conceitual: Benjamin vê no passado a promessa de justiça; Foucault vê arquivos de violência e mecanismos de controle. A redenção benjaminiana não tem espaço na arqueologia foucaultiana.

A Escola dos Annales: Longe do Messianismo

Outro grande contraponto vem da Escola dos Annales, especialmente de Fernand Braudel. A historiografia dos Annales aposta na longa duração, nas estruturas econômicas, geográficas e sociais que moldam lentamente os acontecimentos. Em vez do instante decisivo, privilegiam o fluxo denso e quase impessoal do tempo.

Benjamin, ao contrário, coloca toda a força transformadora no agora — o momento capaz de explodir o curso do tempo. A história, para ele, pode ser resgatada num relâmpago; para os Annales, ela se organiza em marés longas, quase indiferentes às urgências políticas.

Por Que Tudo Isso Importa Hoje?

O debate em torno de Sobre o Conceito de História continua vivo porque Benjamin antecipa questões que o século XXI recoloca:
– Como lidar com um passado marcado por violência?
– Existe progresso real ou apenas repetição de catástrofes?
– A memória dos oprimidos pode transformar o presente?
– O tempo é estrutura ou ruptura?

As críticas que se levantam contra Benjamin — ou as teorias que o contrariam — ajudam a iluminar o alcance e os limites de sua visão. Ao confrontá-lo com positivistas, marxistas ortodoxos, racionalistas, genealogistas ou historiadores estruturais, percebemos a força singular de seu gesto: fazer da história não um acúmulo de fatos, mas um campo de luta.

No fim, Benjamin incomoda porque obriga a pensar politicamente o passado. E tanto seus defensores quanto seus críticos demonstram que suas teses continuam sendo um dos pontos de inflexão mais profundos no modo como entendemos o tempo e a memória.


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