Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (1775–1854) foi um dos grandes nomes do idealismo alemão e uma das figuras mais criativas da filosofia moderna. Contemporâneo de Fichte e Hegel, Schelling dedicou sua vida a explorar a relação entre natureza, espírito e liberdade, buscando superar o racionalismo abstrato de seus predecessores e afirmar uma visão dinâmica da realidade. Em sua obra, o mundo não é uma máquina regida por leis fixas, mas um organismo vivo, expressão contínua do Absoluto.


Juventude e formação

Schelling nasceu em 27 de janeiro de 1775, em Leonberg, na região de Württemberg (Alemanha). Filho de um pastor luterano e professor de línguas orientais, cresceu em ambiente erudito e religioso. Desde cedo demonstrou prodigiosa inteligência e interesse pela filosofia e pela teologia.

Em 1789, com apenas 14 anos, ingressou no Seminário de Tübingen, onde estudou com dois colegas que se tornariam igualmente célebres: Georg Wilhelm Friedrich Hegel e Friedrich Hölderlin. Essa convivência entre filosofia e poesia marcaria profundamente seu pensamento, que sempre procurou unir o rigor conceitual ao impulso criador da arte.

Durante sua juventude, Schelling foi profundamente influenciado pelo Idealismo de Kant e pelas obras de Fichte, mas logo começou a desenvolver uma visão própria, mais vitalista e abrangente. Se Fichte via o mundo como produto da atividade do Eu, Schelling via o Eu como manifestação de uma força cósmica mais ampla — a própria natureza em processo de autodescoberta.


A filosofia da natureza

Entre 1797 e 1800, Schelling publicou uma série de escritos que formam o núcleo da chamada “Filosofia da Natureza” (Naturphilosophie). Neles, procurou demonstrar que a natureza não é algo inerte ou mecânico, mas um princípio vivo, dotado de criatividade e espírito.

Para ele, a natureza é a “razão visível”, e o espírito é a “natureza invisível”. Essa frase resume uma de suas intuições mais profundas: tudo o que existe — matéria, vida, pensamento — é expressão de um mesmo Absoluto em diferentes graus de consciência.

Contra o mecanicismo iluminista, Schelling via a natureza como um organismo em constante evolução. A matéria não é apenas substância, mas energia espiritual em movimento. Nessa perspectiva, o mundo físico é o “lado noturno” do espírito, uma espécie de inconsciente cósmico que prepara o surgimento da consciência humana.

A Filosofia da Natureza de Schelling influenciou não apenas a metafísica, mas também a ciência e a estética. Muitos dos primeiros românticos, como Novalis e Schlegel, encontraram em suas ideias uma base filosófica para a união entre arte e vida.


O idealismo e a filosofia da identidade

Por volta de 1801, Schelling começou a desenvolver o que chamou de “Filosofia da Identidade”, tentando reconciliar o idealismo subjetivo de Fichte com o realismo naturalista de sua fase anterior.

Nesse sistema, o Absoluto é entendido como a unidade originária entre sujeito e objeto, pensamento e ser. A distinção entre mente e mundo é apenas uma aparência; em sua essência, tudo é uma só realidade — uma totalidade viva e indivisível.

Schelling afirmava que essa unidade não pode ser plenamente compreendida pelo pensamento lógico, mas pode ser intuída esteticamente. Por isso, ele deu à arte um papel central: o artista, através da criação, é aquele que torna visível a harmonia entre liberdade e necessidade, espírito e natureza.

A arte, para Schelling, é o ponto mais alto da filosofia, pois revela aquilo que o raciocínio conceitual não consegue apreender.


Relacionamento com Hegel e o declínio da popularidade

Em 1803, Schelling casou-se com Caroline Schlegel, figura influente do círculo romântico de Jena, e tornou-se professor universitário de grande prestígio. Sua fama cresceu rapidamente, e por um tempo ele foi considerado o sucessor natural de Fichte na filosofia alemã.

Entretanto, a ascensão de Hegel — seu antigo colega e amigo — mudou esse quadro. A Fenomenologia do Espírito (1807) de Hegel reinterpretou muitas ideias de Schelling sob um sistema mais racional e dialético, tornando-se a referência dominante do pensamento idealista.
Hegel chegou a ironizar a filosofia da identidade de Schelling, dizendo que seu Absoluto era “a noite em que todas as vacas são pretas” — uma crítica à sua aparente indistinção entre sujeito e objeto.

Desencantado com o racionalismo hegeliano, Schelling afastou-se do ensino por alguns anos e começou a trilhar novos caminhos, voltando-se para a liberdade, a religião e o problema do mal.


A filosofia da liberdade e da revelação

A partir de 1809, Schelling publicou um dos textos mais influentes de sua maturidade: “Investigação Filosófica sobre a Essência da Liberdade Humana” (Philosophische Untersuchungen über das Wesen der menschlichen Freiheit).

Nessa obra, rompe com o sistema lógico do idealismo e coloca a liberdade no centro de sua filosofia. O Absoluto, para ele, não é apenas razão ou unidade, mas um princípio dinâmico, capaz de se manifestar como luz e treva, ordem e caos, bem e mal.

Schelling introduz então uma visão quase teogônica da realidade: Deus não é pura perfeição estática, mas um ser em processo, que se realiza através do conflito entre forças opostas. A liberdade humana, nessa perspectiva, é o reflexo desse drama cósmico.

Essa concepção influenciou profundamente a filosofia existencial posterior, antecipando temas que seriam explorados por Kierkegaard, Nietzsche e Heidegger.

Mais tarde, em suas “Filosofias da Mitologia” e “Filosofias da Revelação”, Schelling procurou compreender as religiões como expressões simbólicas do Absoluto. A mitologia, dizia ele, é a linguagem através da qual a humanidade primitiva expressou verdades metafísicas profundas, enquanto a revelação cristã representa a culminação histórica da autorrevelação divina.


Últimos anos e legado

Schelling passou seus últimos anos em Munique e depois em Berlim, onde foi nomeado professor em 1841 — cargo anteriormente ocupado por Hegel. Sua chegada gerou enorme expectativa, atraindo jovens filósofos como Kierkegaard, Bakunin e Engels, curiosos para ouvir o “anti-hegeliano”.

No entanto, suas aulas, mais teológicas do que sistemáticas, decepcionaram muitos dos que esperavam uma nova síntese filosófica. Mesmo assim, a influência de suas ideias seria sentida de modo subterrâneo e duradouro.

Schelling morreu em 20 de agosto de 1854, aos 79 anos. Durante muito tempo, foi eclipsado por Hegel, mas, no século XX, voltou a ser amplamente estudado, especialmente por pensadores como Martin Heidegger, Karl Jaspers e Paul Tillich, que viram nele um precursor da filosofia existencial e da teologia moderna.


A relevância do pensamento de Schelling

O pensamento de Schelling é difícil de classificar, pois ele próprio rejeitava sistemas fechados. Sua filosofia é uma busca incessante por reconciliação: entre natureza e espírito, razão e arte, necessidade e liberdade.

Três eixos sintetizam sua contribuição:

  1. A natureza como espírito em desenvolvimento: contra o mecanicismo moderno, Schelling concebe a natureza como dotada de vida e finalidade própria — uma visão que antecipa a ecologia e o pensamento sistêmico contemporâneo.
  2. A liberdade como princípio absoluto: a realidade não é estática, mas um drama em que o bem e o mal, a ordem e o caos, participam da autocompreensão do ser.
  3. A arte e a revelação: a estética, a mitologia e a religião são modos legítimos de acesso ao Absoluto, complementando — e, às vezes, superando — o conhecimento racional.

Friedrich Schelling foi um filósofo que ousou pensar o ser como vida, liberdade e criação. Em um tempo dominado pela busca de sistemas racionais, ele afirmou o valor do mistério e da experiência interior.

Mais poeta que lógico, mais visionário que sistematizador, Schelling compreendeu que o Absoluto não é um conceito, mas um processo vivo — o próprio vir-a-ser de Deus e do mundo.

Sua filosofia continua a ecoar sempre que a razão tenta reencontrar o sentido do sagrado, sempre que a natureza é vista como algo mais do que matéria, e sempre que a liberdade é reconhecida como o coração pulsante da existência.


Até mais!

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