O existencialismo é uma das correntes filosóficas mais fascinantes e humanas da história do pensamento. Em vez de se preocupar com sistemas abstratos, ele parte da vida concreta — das escolhas, angústias e contradições de cada pessoa. É uma filosofia que pergunta: “O que significa existir?” e, principalmente, “como viver com autenticidade em um mundo incerto?”
Embora o termo “existencialismo” só tenha se popularizado no século XX, suas raízes remontam ao século XIX, com o pensador dinamarquês Søren Kierkegaard, considerado o pai do existencialismo. Mais tarde, filósofos como Jean-Paul Sartre e Albert Camus levariam essa visão a novos caminhos — uns com um tom mais ateu e outros com um foco ético e literário.
Vamos entender, de modo simples, o que cada um deles propôs e por que suas ideias continuam tão atuais.
Kierkegaard: a fé, a escolha e a angústia
Kierkegaard (1813–1855) viveu em uma época em que a filosofia buscava verdades universais e seguras. Ele foi o primeiro a afirmar que o ponto de partida de toda reflexão deveria ser o indivíduo, não a humanidade em geral. Para ele, a existência humana é marcada pela liberdade de escolher e pela angústia que acompanha essa liberdade.
Cada pessoa, dizia ele, precisa escolher como viver — e essa escolha não pode ser delegada a ninguém. Kierkegaard acreditava que o homem passa por três estágios de existência: o estético, em que se busca prazer e distração; o ético, onde se vive de acordo com deveres e responsabilidades; e o religioso, que exige um salto de fé — uma entrega total a Deus, mesmo sem garantias.
Para Kierkegaard, a fé não era uma certeza racional, mas um ato de coragem diante do absurdo. Ele via o ser humano como alguém que vive entre o finito e o infinito, entre a razão e o mistério. Sua mensagem é que a vida autêntica nasce quando o indivíduo se assume como um ser livre e responsável diante de Deus e de si mesmo.
Sartre: a liberdade e o peso da existência
Jean-Paul Sartre (1905–1980) levou o existencialismo a seu auge no século XX, especialmente após a Segunda Guerra Mundial. Diferente de Kierkegaard, Sartre era ateu e via o mundo como um lugar sem propósito prévio. Sua famosa frase — “a existência precede a essência” — resume bem sua filosofia: não nascemos com uma natureza definida, mas nos tornamos quem somos através das nossas escolhas.
Para Sartre, o ser humano está condenado à liberdade. Não há Deus, destino ou natureza humana que determine nossas ações; somos nós que criamos nossos valores e nosso significado. Essa liberdade absoluta, no entanto, é também um fardo, pois nos torna totalmente responsáveis por tudo o que fazemos.
Daí vem o sentimento de angústia, tão central ao existencialismo. Não é medo, mas o peso de saber que nossas decisões moldam não só nossa vida, mas também o mundo em que vivemos. Mesmo sem garantias, precisamos agir e assumir as consequências.
Sartre também criticava a má-fé — a tendência de mentir para si mesmo fingindo que não temos escolha (“não posso fazer nada”, “a sociedade me obriga”). Para ele, viver com autenticidade é reconhecer a própria liberdade e agir de acordo com ela, mesmo quando é difícil.
O existencialismo sartriano é, assim, uma filosofia de responsabilidade radical: se o sentido da vida não existe dado de antemão, cabe a nós criá-lo.
Camus: o absurdo e a revolta
Albert Camus (1913–1960) é frequentemente associado ao existencialismo, embora ele mesmo rejeitasse o rótulo. Para ele, o ponto de partida não é a liberdade, mas o absurdo — o conflito entre o desejo humano por sentido e a indiferença do universo.
Em obras como O Mito de Sísifo e O Estrangeiro, Camus descreve o homem como um ser que busca significado em um mundo que não o oferece. O mito grego de Sísifo — condenado a empurrar uma pedra montanha acima para vê-la rolar de volta eternamente — simboliza a condição humana. Mesmo sabendo que a vida não tem um sentido último, o homem pode escolher viver com dignidade e lucidez.
Camus rejeita tanto o suicídio quanto a esperança cega. Em vez disso, propõe a revolta — uma atitude de resistência e coragem diante do absurdo. Viver plenamente é aceitar o mundo como ele é, sem ilusões, e ainda assim afirmar a vida. É encontrar beleza e solidariedade mesmo no meio do caos.
Para Camus, o ser humano autêntico é aquele que, diante da falta de sentido, continua a amar, criar e lutar. Sua filosofia é uma ética da lucidez: não negar o absurdo, mas transformá-lo em fonte de liberdade.
Três caminhos para a mesma pergunta
Apesar das diferenças, Kierkegaard, Sartre e Camus partem de uma mesma inquietação: como viver uma vida com sentido em um mundo incerto?
- Kierkegaard encontra a resposta na fé e no compromisso com Deus.
- Sartre vê a liberdade como o fundamento da existência — somos autores de nós mesmos.
- Camus defende a lucidez e a revolta como forma de resistir ao absurdo da vida.
Todos, porém, afirmam que o ser humano não pode fugir de si mesmo. A existência não é algo que simplesmente acontece — é algo que se constrói, escolha após escolha, gesto após gesto.
Por que o existencialismo ainda importa
O existencialismo continua atual porque trata de questões que todo ser humano enfrenta: o medo de errar, a solidão, a busca por sentido, a necessidade de decidir sem ter todas as respostas. Em uma era marcada pela pressa, pela superficialidade e pela dependência de modelos prontos, essa filosofia lembra que viver é um ato de criação pessoal.
Ela nos convida a olhar para dentro, a reconhecer nossa liberdade e a aceitar a responsabilidade de sermos quem somos — não como um peso, mas como uma oportunidade.
Como diria Sartre, “não importa o que fizeram de nós; o que importa é o que fazemos com o que fizeram de nós.”
Essa talvez seja a melhor síntese do existencialismo: uma filosofia que não oferece respostas fáceis, mas nos devolve o poder — e o dever — de viver com autenticidade.
Até mais!
Tête-à-Tête

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