Desde o século XIX, o positivismo exerceu profunda influência sobre o pensamento ocidental. Formulado por Auguste Comte, o movimento pretendia substituir a teologia e a metafísica pela ciência como única fonte legítima de conhecimento. Acreditava que o progresso humano dependia de leis objetivas, mensuráveis e universais — uma “religião da humanidade” guiada pela razão pura.

Mas o que começou como um projeto de ordem racional terminou, muitas vezes, como um projeto de redução do humano. A crítica conservadora, ao longo dos séculos, tem apontado os perigos dessa visão mecanicista do mundo — que promete progresso, mas frequentemente nega o mistério, a tradição e a moralidade que sustentam a civilização.


O Positivismo: A Promessa da Razão Absoluta

Para Comte, a humanidade passava por três estágios de evolução intelectual: o teológico (dominado pela fé), o metafísico (pela filosofia) e o positivo (pela ciência). Nesse último, o homem abandonaria os mitos e explicações transcendentes para compreender o mundo apenas por meio da observação e da experiência.

A proposta parecia irresistível: a ciência traria não apenas conhecimento, mas também ordem e progresso — lema que viria a estampar a própria bandeira do Brasil republicano.

Porém, ao colocar a razão empírica como critério supremo da verdade, o positivismo expulsou do horizonte humano tudo o que não pudesse ser medido: a fé, a moral, o amor, a beleza, o mistério.

O resultado foi uma visão tecnocrática da existência, onde o homem é reduzido a um dado estatístico, e a sociedade, a uma máquina a ser ajustada.


A Crítica Conservadora: O Reducionismo do Positivismo

Os pensadores conservadores, desde Edmund Burke até Russell Kirk, sempre desconfiaram dos projetos intelectuais que prometem reorganizar o mundo com base em teorias abstratas. Para o conservador, a civilização é fruto de uma sabedoria acumulada — da experiência, da tradição e da consciência moral transmitida ao longo das gerações.

O positivismo, ao contrário, busca romper com o passado. Ele considera as tradições como obstáculos ao progresso e pretende substituir a religião pela ciência, e a moral pela técnica. Nessa pretensão, comete o mesmo erro das ideologias revolucionárias: o de acreditar que a razão humana, isolada, é capaz de refazer o mundo do zero.

Burke já advertia que “a razão individual é uma luz fraca diante da sabedoria coletiva da tradição”. A tentativa de submeter a sociedade a um ideal racional abstrato tende a produzir o contrário da ordem: o caos. E a história confirma essa intuição.


O Positivismo e Suas Consequências Culturais

O positivismo não se limitou ao campo científico; ele moldou toda uma mentalidade moderna. Sua marca está presente na burocratização do Estado, na pedagogia tecnicista, na economia materialista e na crença ingênua de que todo problema humano pode ser resolvido com “mais ciência”.

No Brasil, sua influência foi particularmente visível na formação da República. Os militares e intelectuais positivistas que lideraram o movimento de 1889 acreditavam que poderiam reconstruir o país segundo princípios científicos, afastando o “atraso” representado pela monarquia e pela religião. O resultado, porém, foi a criação de uma república sem raízes morais, guiada por elites tecnocráticas e distante da alma popular.

O conservadorismo vê nisso um erro de concepção: a sociedade não é um laboratório, e o homem não é um experimento. Quando a razão ignora o coração, a ciência se transforma em tirania.


O Homem não é uma Máquina

O positivismo parte da ideia de que tudo o que existe pode ser explicado por leis físicas e mensuráveis. Essa postura eliminou a metafísica — o estudo do ser, do sentido e do valor — como se fosse uma superstição. Contudo, é justamente na dimensão metafísica que o homem encontra sua dignidade.

A visão positivista tende a desumanizar. Reduz o homem ao corpo, a moral à convenção, a verdade à utilidade. Ela esquece que há algo no ser humano que escapa à medição: sua alma, sua consciência, sua sede de transcendência.

O conservadorismo, ao contrário, sustenta que a ordem social depende de valores imateriais — virtude, fé, dever, amor ao próximo — que nenhuma equação pode traduzir.

A ciência descreve o mundo; mas só a moral e a religião podem dizer como devemos viver nele.


A Crise da Modernidade e o Vazio Positivista

O século XX expôs os limites do positivismo. As duas grandes guerras mostraram que o avanço técnico não trouxe o progresso moral prometido. A razão instrumental, divorciada da ética, produziu campos de extermínio, bombas atômicas e ideologias totalitárias.

Como observou C.S. Lewis, “quando o homem conquista a natureza, é a natureza humana que é conquistada”. Ao reduzir tudo à lógica da eficiência e do controle, o positivismo abriu caminho para uma era de desencantamento, em que a vida perdeu o sentido e a verdade tornou-se relativa.

Hoje, vivemos o legado dessa herança. Em nome da ciência, justificam-se políticas que tratam as pessoas como números; em nome da técnica, aceitam-se manipulações da natureza humana; em nome da razão, desprezam-se a fé e a tradição. O resultado é uma sociedade rica em meios e pobre em fins.


O Caminho Conservador: Razão com Reverência

A crítica conservadora não rejeita a ciência nem a razão — mas as coloca em seu devido lugar. A razão é um instrumento nobre, mas deve operar sob a luz da prudência, da moral e da fé.

O verdadeiro progresso não é apenas tecnológico; é também espiritual.

O conservador reconhece que há limites naturais à razão e que a busca pela verdade exige humildade diante do mistério do ser.

Russell Kirk resumiu essa visão ao dizer: “A ordem política depende de uma ordem moral, e essa ordem moral tem origem religiosa.”

Sem essa base, a ciência se torna cega e o poder, arbitrário.


O Retorno ao Humano

O positivismo quis libertar o homem da superstição, mas terminou por aprisioná-lo na gaiola do materialismo. Quis substituir a fé pela certeza, mas acabou gerando ceticismo. Quis criar uma sociedade racional, mas produziu uma civilização ansiosa, mecanizada e espiritualmente vazia.

O pensamento conservador propõe o caminho inverso: reencontrar o equilíbrio entre razão e fé, entre ciência e moral, entre progresso e tradição. Reconhecer que o homem não é apenas um ser que mede, calcula e produz, mas também um ser que crê, ama e contempla.

Se o positivismo promete um mundo sem mistério, o conservadorismo lembra que é o mistério que torna o mundo habitável.

E talvez o verdadeiro progresso esteja, afinal, não em dominar todas as leis da natureza — mas em redescobrir as leis do coração.


“Quando a razão se isola da sabedoria, o homem perde não apenas o sentido do mundo, mas o sentido de si mesmo.”


Até mais!

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