O poder criador da linguagem e a responsabilidade de dizer
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.”
— Evangelho de João 1:1
Há uma força silenciosa e antiga escondida no ato de falar. Antes mesmo de o homem dominar o fogo ou a escrita, ele já nomeava as coisas. Nomear era compreender, possuir, ordenar o caos. Na linguagem, o ser humano descobriu o poder de criar sentido — e, com isso, começou a construir mundos.
Dizer é sempre mais do que descrever: é trazer à existência. As palavras moldam realidades, dirigem pensamentos, acendem paixões e também erguem abismos. “O que sai da boca procede do coração”, diz o Evangelho (Mateus 15:18). Por isso, falar é um ato profundamente ético — cada palavra carrega consigo um fragmento da alma de quem a pronuncia.
A palavra como criação
Na narrativa bíblica, Deus cria o universo com a palavra: “Haja luz”. Essa imagem não é apenas religiosa, mas simbólica. Mostra que o Verbo é princípio de forma e sentido. De maneira semelhante, cada um de nós participa desse poder criador quando fala. As palavras que escolhemos — ou mesmo as que deixamos de dizer — modelam o mundo em que vivemos.
Quando dizemos “sim”, abrimos portas; quando dizemos “não”, traçamos fronteiras. Quando chamamos alguém de “amigo”, criamos laços; quando rotulamos alguém de “inimigo”, erguemos muros. A linguagem não é um espelho neutro da realidade: é uma lente, um instrumento de construção e destruição.
O filósofo Ludwig Wittgenstein escreveu:
“Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo.”
O que não conseguimos nomear, não conseguimos compreender plenamente. As palavras são pontes entre o invisível e o visível — entre o pensamento e a ação, entre o sonho e o real.
Palavras que constroem, palavras que ferem
Toda palavra é uma semente. Algumas florescem em gestos de amor; outras crescem como ervas daninhas de ressentimento. Um elogio pode mudar o rumo de um dia; uma crítica cruel pode apagar meses de coragem.
Em uma época em que a comunicação é instantânea e pública, esquecemos que o verbo continua sendo sagrado. O excesso de palavras — muitas vezes vazias ou violentas — cria ruído, não sentido. Falamos demais, mas dizemos pouco. O mundo digital ampliou o alcance da voz humana, mas também multiplicou as consequências do falar sem consciência.
Falar é sempre um ato de poder. Por isso, exige discernimento. Como disse o poeta Fernando Pessoa:
“As palavras são símbolos que postam à frente um mundo que não existe, mas que deveria existir.”
Talvez essa seja a grande tarefa ética do discurso: fazer do que dizemos um espaço onde o mundo possa se tornar melhor — mais justo, mais verdadeiro, mais humano.
O verbo e o pensamento
As palavras não nascem sozinhas. Elas são filhas do pensamento. O modo como pensamos — as crenças que alimentamos, as narrativas que repetimos — define a qualidade de nossa linguagem.
Se o pensamento é caótico, a fala será confusa. Se o coração está ferido, o discurso transbordará amargura. Por isso, cultivar o silêncio interior é também um modo de purificar o verbo. O silêncio não é ausência de palavra, mas seu solo fértil.
“O sábio é aquele que sabe o momento de falar e o momento de calar.”
— Eclesiastes 3:7
Antes de falar, vale perguntar: o que minhas palavras vão semear? Verdade, bondade e beleza, ou medo, vaidade e confusão?
A responsabilidade de dizer
Viver é escolher palavras. A cada dia, pronunciamos frases que nos aproximam ou nos afastam dos outros; que nos elevam ou nos diminuem. As palavras que usamos conosco — nos pensamentos silenciosos — também moldam nossa existência.
Quando dizemos “eu posso”, “eu perdoo”, “eu recomeço”, estamos traçando novas rotas no mapa interior. Quando insistimos em “eu não consigo”, “nunca muda”, “não há saída”, fechamos portas antes mesmo de tentar abri-las.
O filósofo francês Maurice Blanchot dizia que “a palavra é o começo da responsabilidade”. Falar, portanto, é comprometer-se com aquilo que se cria.
O verbo como caminho
As palavras são como o sopro que dá forma à argila da vida. Criam atmosferas, influenciam emoções, moldam relações e revelam quem somos. Cada frase é um pequeno ato de criação — e, ao mesmo tempo, de revelação.
Cuidar das palavras é cuidar do mundo. Em um tempo saturado de discursos, talvez o verdadeiro gesto revolucionário seja falar com verdade, com amor e com consciência.
“Da mesma boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não deve ser assim.”
— Tiago 3:10
Quais palavras têm moldado o seu mundo ultimamente — as que constroem ou as que destroem?
Até mais!
Tête-à-Tête

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