Entre as tragédias menos conhecidas de William Shakespeare, Coriolano ocupa um lugar singular. Escrita por volta de 1608 e baseada na vida do general romano Caio Márcio, relatada principalmente por Plutarco em suas Vidas Paralelas, a peça combina política, guerra e dilemas humanos em uma trama que continua a ressoar nos debates modernos sobre poder, orgulho e o papel do povo nas decisões coletivas.
Enredo
A peça acompanha a trajetória de Caio Márcio, um nobre e guerreiro romano cuja coragem nos campos de batalha lhe concede glória e reconhecimento. Após conquistar a cidade de Coriolus, recebe o apelido de Coriolano. A vitória o lança em ascensão política, mas sua personalidade arrogante, desprezo pela plebe e incapacidade de se adaptar às exigências da vida pública tornam-se obstáculos fatais.
Instigado por sua mãe, Volúmnia, Coriolano aceita candidatar-se ao cargo de cônsul. Contudo, sua aversão a bajular o povo e a recusar compromissos políticos faz com que se choque com os tribunos populares. Expulso de Roma, em um misto de indignação e orgulho ferido, ele se alia a Aufídio, comandante dos volscos e seu antigo inimigo. Juntos, planejam atacar Roma.
O ponto culminante ocorre quando, prestes a destruir sua cidade natal, Coriolano é confrontado por sua mãe, sua esposa Virgília e seu filho. Em uma das cenas mais emocionantes do teatro shakespeariano, Volúmnia apela para a piedade e o amor filial. Incapaz de resistir, Coriolano cede e faz a paz. No entanto, esse gesto é interpretado pelos volscos como traição, e ele acaba morto por aqueles a quem havia se aliado.
Personagens principais
- Coriolano (Caio Márcio): O protagonista, guerreiro de enorme bravura, mas incapaz de lidar com as complexidades políticas. Sua virtude militar é acompanhada de uma falha trágica — o orgulho inflexível.
- Volúmnia: Mãe de Coriolano, símbolo do ideal romano de honra e sacrifício. Seu amor pelo filho é inseparável de sua ambição e patriotismo.
- Virgília: Esposa fiel, representa a voz da ternura e da vida doméstica, em contraste com a rigidez militar de Volúmnia.
- Aufídio: Inimigo e rival de Coriolano, mistura de admiração e ódio pelo herói romano, é figura decisiva para o desfecho da tragédia.
- Tribunos Sicínio e Bruto: Porta-vozes do povo, encarnam o conflito entre as classes populares e a aristocracia.
Temas centrais
- Orgulho e queda trágica
O traço definidor de Coriolano é seu orgulho. Ele não tolera concessões, não sabe disfarçar sua superioridade e não aceita dobrar-se às regras da política. Essa rigidez, que lhe rende admiração no campo de batalha, torna-se sua ruína na arena pública. - Conflito entre indivíduo e comunidade
A peça explora a tensão entre o herói individual, com sua excelência militar, e a coletividade democrática de Roma. Coriolano despreza o povo, mas depende de sua aprovação para governar. O atrito revela o eterno dilema entre liderança aristocrática e soberania popular. - Poder das mulheres
A relação de Coriolano com Volúmnia é central. Mais que mãe, ela é a verdadeira arquiteta de seu destino, moldando-o desde a infância e, no clímax, sendo capaz de dobrar sua vontade. Virgília, em contraste, mostra que o amor e a delicadeza também exercem influência, ainda que menos visível. - Patriotismo e traição
A tragédia confronta a lealdade ao Estado e a lealdade pessoal. Ao aliar-se a Aufídio contra Roma, Coriolano desafia sua identidade como cidadão romano. Ao recuar diante dos apelos de sua mãe, paga com a vida por esse gesto ambíguo, visto pelos inimigos como traição. - Democracia versus aristocracia
Shakespeare, escrevendo na Inglaterra do início do século XVII, aproveita a Roma antiga como espelho das tensões de seu tempo. O conflito entre tribunos e nobres reflete discussões sobre o papel do povo, o poder da elite e os limites da autoridade.
Estrutura dramática e estilo
Coriolano é uma tragédia política tanto quanto pessoal. Diferente de Hamlet ou Macbeth, onde o drama interior domina, aqui a ação se desenrola em arenas públicas — praças, assembleias, campos de batalha. O texto é denso, repleto de discursos políticos e debates, que podem parecer áridos, mas revelam a habilidade de Shakespeare em dramatizar ideias.
A cena final com Volúmnia é um dos pontos altos da dramaturgia shakespeariana, em que pathos e retórica se entrelaçam. O espectador testemunha não apenas um filho vencido pela mãe, mas um guerreiro invencível derrotado pela força do afeto.
Atualidade da peça
Apesar de ser uma das tragédias menos encenadas de Shakespeare, Coriolano permanece atual. Em tempos de polarização política, sua análise das tensões entre governantes e governados, entre orgulho pessoal e compromisso público, soa surpreendentemente moderna. O protagonista é, ao mesmo tempo, herói admirável e figura trágica, alguém que nos fascina pela grandeza e nos inquieta pela incapacidade de se adaptar ao convívio humano.
Conclusão
Coriolano é uma tragédia que exige mais do espectador ou leitor: não oferece um herói simpático, nem uma história repleta de intrigas amorosas ou sobrenaturais. Em vez disso, entrega uma reflexão sobre política, honra, maternidade e poder. É um retrato de como virtudes extremas — coragem, firmeza, lealdade a princípios — podem se tornar falhas fatais quando não temperadas por humildade e compreensão do outro.
Assim, Shakespeare nos mostra que a grandeza de um homem pode ser também sua perdição. Coriolano é, em última instância, a tragédia do orgulho: o destino de quem, incapaz de ceder, encontra a ruína no momento em que parecia mais invencível.
Até mais!
Tête-à-Tête

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