Roger Scruton, filósofo inglês conhecido por sua defesa do conservadorismo e por sua sensibilidade estética, mergulha em As Memórias de Underground em uma das experiências intelectuais e existenciais mais marcantes de sua vida: sua convivência com dissidentes do Leste Europeu durante os anos de opressão comunista. Publicado como um testemunho íntimo, o livro combina reflexão filosófica, relato histórico e memória pessoal, revelando o olhar de um pensador que acreditava no poder da cultura como força de resistência.
O título remete diretamente à ideia de “underground”, ou subterrâneo, que não é apenas físico, mas sobretudo simbólico. Scruton descreve como a vida intelectual e espiritual florescia nas sombras, fora do alcance do Estado totalitário que buscava controlar cada aspecto da existência. Entre apartamentos discretos, encontros clandestinos e discussões em pequenos grupos, ele encontrou homens e mulheres que arriscavam a própria liberdade — e às vezes a vida — para preservar algo que transcendia a política: a verdade.
O livro é ao mesmo tempo um diário de viagem e uma meditação filosófica. Scruton narra suas visitas à Tchecoslováquia, onde deu aulas e participou de círculos intelectuais proibidos, e reflete sobre como a cultura europeia — literatura, música, filosofia — tornava-se um refúgio contra a mentira institucionalizada. Para aqueles dissidentes, ler Platão, ouvir Beethoven ou discutir Kant não era apenas exercício acadêmico, mas ato de resistência, um modo de reafirmar a dignidade humana contra o esmagamento ideológico.
Um dos méritos da obra é mostrar o contraste entre dois mundos. De um lado, o Ocidente, frequentemente entregue a modismos intelectuais superficiais, incapaz de perceber a profundidade do que estava em jogo; de outro, o Leste comunista, onde a busca pela verdade exigia coragem moral. Scruton não esconde a admiração que nutriu por essas pessoas e como sua convivência com elas transformou sua própria visão de mundo.
A prosa de Scruton é elegante e reflexiva, sem ser excessivamente acadêmica. Ele escreve como alguém que viveu o que narra, mas também como filósofo capaz de captar as dimensões espirituais da experiência. A “memória” aqui não é apenas recordação, mas exercício de preservação — guardar no relato aquilo que o regime tentou apagar.
Outro aspecto marcante do livro é a denúncia implícita ao relativismo e à complacência ocidentais. Enquanto intelectuais confortáveis em universidades livres se entregavam a teorias que relativizavam a verdade ou exaltavam o marxismo, Scruton conhecia homens e mulheres que sofriam na pele os efeitos dessa ideologia. Essa vivência reforçou nele a convicção de que a liberdade não é um dado natural, mas um bem frágil que precisa ser cultivado e defendido.
As Memórias de Underground é, portanto, mais do que um relato histórico. É uma obra que convida o leitor a refletir sobre a relação entre cultura, verdade e liberdade. O testemunho de Scruton mostra que, mesmo em tempos de opressão, o espírito humano encontra caminhos para florescer — ainda que no subterrâneo. Ao mesmo tempo, alerta para a necessidade de valorizar o que temos no Ocidente antes que a indiferença nos faça perder.
Em síntese, o livro é um tributo à coragem intelectual e à resistência silenciosa dos que, sem armas, mas com livros e ideias, enfrentaram um dos regimes mais sufocantes do século XX. Scruton, ao preservar essas memórias, não apenas presta homenagem a esses heróis anônimos, mas também nos lembra que a luta pela verdade nunca deixa de ser atual.
Conclusão:
As Memórias de Underground é uma leitura indispensável para quem deseja compreender o verdadeiro valor da cultura e da liberdade em tempos de perseguição. Ao unir autobiografia, filosofia e história, Roger Scruton oferece ao leitor não só um relato pessoal, mas uma reflexão profunda sobre o papel da verdade em sociedades marcadas pela mentira. Um livro que emociona, inspira e convoca à vigilância moral.
Até mais!
Tête-à-Tête

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