Publicado em 1935, Jubiabá é uma das obras mais marcantes da primeira fase literária de Jorge Amado, período em que o autor baiano se dedicava a retratar a vida popular, os contrastes sociais e a luta dos oprimidos no Brasil. O romance integra a chamada “trilogia da descoberta do mundo”, ao lado de Cacau (1933) e Suor (1934), e antecipa os grandes temas que se tornariam recorrentes em sua obra: o sincretismo religioso, a força do povo afro-brasileiro, a denúncia das desigualdades sociais e a celebração da cultura popular.
A história gira em torno de Antônio Balduíno, órfão mestiço que cresce em Salvador sob a tutela do pai de santo Jubiabá, personagem central que dá nome ao livro. Balduíno é apresentado como um menino rebelde, marginalizado, cuja vida é marcada pela fome, pela violência e pela exclusão social. Sua trajetória reflete, de forma literária e simbólica, a experiência de milhares de pobres e negros brasileiros da época.
O enredo acompanha a transformação do protagonista: de menino de rua a boxeador famoso, depois trabalhador de plantações e, mais adiante, participante ativo das lutas operárias. Essa multiplicidade de papéis vividos por Balduíno dá ao romance uma dimensão quase épica, como se sua vida fosse a síntese da experiência coletiva dos despossuídos. Jorge Amado o constrói como um herói popular, contraditório e humano, que ao mesmo tempo é movido por paixões individuais (como o amor por Lindinalva, moça de família rica) e por uma crescente consciência social.
Jubiabá, o pai de santo que exerce sobre Balduíno uma influência espiritual e afetiva, representa outro elemento fundamental do romance. Mais do que uma personagem, ele é símbolo da tradição afro-brasileira, da sabedoria popular e do poder religioso do candomblé. Jorge Amado dá relevo à religiosidade de matriz africana, rompendo com preconceitos literários de sua época e revelando sua importância na vida cotidiana do povo baiano. O terreiro de Jubiabá aparece como um espaço de resistência cultural e de acolhimento para os marginalizados.
Do ponto de vista social, Jubiabá é um livro de denúncia. Amado retrata sem disfarces a exploração dos trabalhadores, o abismo entre ricos e pobres, a violência da fome e o abandono das classes populares. A morte de Lindinalva, por exemplo, após ser levada à prostituição pela miséria, é um episódio de grande carga trágica que ilustra o destino cruel imposto às mulheres pobres em uma sociedade excludente. O romance denuncia ainda as condições desumanas nas plantações de fumo e nos cortiços de Salvador, compondo um painel realista e engajado.
Apesar do tom político e social, Jorge Amado não abre mão de uma narrativa viva e cheia de cor local. Sua linguagem é marcada pelo lirismo, pelo humor, pelo uso de expressões populares e pela construção de cenas cheias de vitalidade. Ele não se limita a apontar problemas; celebra também a resistência, a solidariedade e a cultura popular. Nesse sentido, Jubiabá é um livro em que a denúncia social se equilibra com o canto à vida do povo baiano.
Outro aspecto relevante é a dimensão de formação do protagonista. Balduíno, ao longo do romance, amadurece não apenas como indivíduo, mas como representante de uma classe. Sua passagem da luta individual — como boxeador em busca de reconhecimento — à luta coletiva — como militante ao lado dos trabalhadores — reflete o ideal socialista que permeava a juventude de Jorge Amado naquele momento. O livro, portanto, também funciona como um romance de aprendizado político.
No plano estético, Jubiabá revela um Jorge Amado ainda jovem, mas já dono de um estilo vigoroso e profundamente ligado ao realismo social. Se em obras posteriores o autor daria mais espaço ao humor, ao erotismo e à fantasia popular, aqui predomina o tom de urgência, a indignação diante da miséria e o desejo de transformação social. A força das descrições de Salvador, dos becos e ladeiras, do cais, das festas populares e dos terreiros já antecipa, contudo, a plasticidade que faria dele um dos maiores narradores do Brasil.
O romance também se destaca por colocar no centro um protagonista negro, em um momento em que a literatura brasileira ainda relegava personagens afrodescendentes a papéis secundários ou estereotipados. Ao retratar Balduíno em toda a sua complexidade — corajoso, apaixonado, contraditório, heróico e falível — Jorge Amado abre espaço para um olhar mais digno sobre a experiência negra na sociedade brasileira.
Lido hoje, Jubiabá mantém sua atualidade por mostrar como a exclusão social, a luta por dignidade e a preservação das raízes culturais continuam sendo questões urgentes no Brasil. É um romance que dialoga com a história, mas que também nos interpela no presente, lembrando que as desigualdades e injustiças denunciadas por Jorge Amado ainda ecoam em nossa realidade.
Em síntese, Jubiabá é um marco da literatura social brasileira dos anos 1930. Ao narrar a trajetória de Antônio Balduíno, Jorge Amado constrói não apenas a saga de um homem, mas o retrato coletivo de um povo em luta. Entre a denúncia social, o lirismo popular e a força cultural do candomblé, o romance é uma obra vibrante, que combina engajamento político e riqueza estética. Um clássico indispensável para compreender tanto a literatura de Jorge Amado quanto as contradições históricas do Brasil.
Até mais!
Tête-à-Tête

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