O problema de Mises: de onde vem o valor do dinheiro?

Mises parte da seguinte questão:

  • Uma mercadoria qualquer (um pão, por exemplo) tem valor porque satisfaz uma necessidade humana diretamente: matar a fome.
  • Mas o dinheiro, como o conhecemos hoje (moedas, papel, até mesmo dígitos eletrônicos), não tem utilidade de uso imediato. Ele só serve para adquirir outras coisas.

Então surge o problema: por que o dinheiro tem valor?
A resposta de Mises é que esse valor só é compreensível se regressarmos no tempo, até quando esse “dinheiro” ainda era apenas uma mercadoria com utilidade própria.


O valor de uso intrínseco

Segundo Mises, antes de ser meio de troca, o dinheiro foi mercadoria. Isso significa que o ouro, a prata ou outros bens que já serviram como dinheiro eram valorizados não porque compravam coisas, mas porque tinham uso próprio.

Exemplos práticos:

  • Ouro: usado em joias, ornamentos, utensílios religiosos, objetos de prestígio social.
  • Prata: usada em talheres, adereços, decoração, utensílios domésticos.
  • Sal (que também já foi usado como dinheiro em algumas culturas): tinha utilidade direta como conservante de alimentos e tempero.
  • Cacau, conchas, gado (em sociedades antigas): todos tinham um valor de uso concreto, seja como alimento, adorno ou recurso prático.

Ou seja: o bem já era desejado por si mesmo, mesmo antes de se tornar um meio de troca.


Como isso evolui para dinheiro?

Quando as trocas começaram a ficar mais complexas, algumas mercadorias com alto grau de aceitação e utilidade prática começaram a ser usadas como meio de troca indireto.
Exemplo:

  • Se eu não quero trocar diretamente minha madeira pelo seu trigo, posso aceitar ouro ou prata, porque sei que esses metais são úteis para outros e, portanto, poderei trocá-los mais facilmente depois.

Esse processo de seleção natural no mercado levou certos bens a se destacarem como dinheiro-mercadoria.


A Teoria da Regressão

Mises diz que, se perguntarmos por que hoje uma moeda de ouro vale tanto, podemos responder:

  • porque ontem ela tinha tal poder de compra.
    E ontem?
  • porque no dia anterior também tinha.
    Se continuarmos esse raciocínio regressivo, chegamos a um ponto em que o ouro ainda não era dinheiro, mas apenas uma mercadoria com utilidade intrínseca.

Assim, o valor do dinheiro não pode ter surgido por decreto do Estado. Ele só pôde aparecer porque, em algum momento, estava enraizado em um valor de uso real, reconhecido pelas pessoas.


E o dinheiro de papel?

O papel-moeda só pôde surgir porque, originalmente, ele era um certificado representativo de ouro ou prata depositados em um banco ou tesouro. Ou seja, sua aceitação estava vinculada ao lastro de algo com utilidade própria.

Com o tempo, os Estados retiraram o lastro, e as notas passaram a ser “fiduciárias” (baseadas apenas na confiança). Mas, para Mises, isso só foi possível porque antes já havia uma história de valor ancorada em mercadorias úteis.


Resumo:


O dinheiro só surge a partir de mercadorias que tinham valor de uso próprio. O ouro, por exemplo, era desejado por sua beleza e durabilidade antes de ser aceito como meio de troca. O Estado pode regular ou padronizar a moeda, mas não cria do nada seu valor: esse valor nasce do mercado, da utilidade real que a mercadoria tinha originalmente.


Até mais!

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