Publicado em 1941, durante o auge da Segunda Guerra Mundial, M ou N? é um dos romances menos convencionais de Agatha Christie, justamente por unir o estilo policial clássico da autora com um enredo de espionagem. Ao invés de Hercule Poirot ou Miss Marple, quem protagoniza a história são Tommy e Tuppence Beresford, um casal de detetives já conhecidos de leitores anteriores, mas que aqui surgem em uma trama mais madura e adaptada ao contexto bélico de sua época.
Contexto histórico e literário
Ao escrever M ou N?, Agatha Christie já era uma autora consagrada e conhecida como a “Rainha do Crime”. No entanto, o mundo vivia tempos de incerteza: Londres sofria com bombardeios, e a guerra contra a Alemanha nazista dominava o imaginário coletivo. Esse cenário aparece diretamente na obra: conspirações, segredos militares, espiões infiltrados e a ameaça de traição dentro da própria Inglaterra.
O título já instiga o leitor: quem é “M” e quem é “N”? Seriam os nomes-código de agentes nazistas infiltrados, figuras-chave para os planos de guerra. O mistério central gira em torno da identidade desses traidores ocultos, e a narrativa conduz o leitor por um jogo de suspeitas que ecoa os temores reais da época.
Enredo
O casal Tommy e Tuppence Beresford, agora na meia-idade, vive uma rotina aparentemente tranquila. Porém, o governo britânico os recruta para uma missão secreta: descobrir quem são os espiões infiltrados em uma pensão chamada Sans Souci, localizada em uma cidade costeira. Lá, entre hóspedes peculiares, esconde-se um agente duplo de altíssima periculosidade — identificado apenas como “M” ou “N”.
Os Beresford se infiltram como hóspedes, e logo o clima de desconfiança se estabelece. Cada personagem da pensão tem algo suspeito: uma viúva charmosa, um major com histórias mal contadas, uma governanta misteriosa, um médico reservado. O enredo é marcado por constantes reviravoltas, onde a cada capítulo o leitor é levado a desconfiar de alguém diferente.
O romance mantém a cadência típica de Christie, com diálogos rápidos, pistas sutis e uma construção de suspense crescente até a revelação final — surpreendente, como de costume.
Personagens em destaque
- Tommy e Tuppence Beresford – Aqui, não são mais os jovens aventureiros de O Inimigo Secreto (1922). Ambos aparecem mais maduros, mas continuam espirituosos e curiosos. A relação conjugal acrescenta uma camada humana ao mistério, tornando-os um casal simpático com quem o leitor se identifica.
- Albert – Velho conhecido dos Beresford, surge para auxiliar nas investigações, garantindo momentos de leveza e humor.
- Hóspedes da pensão Sans Souci – Representam um microcosmo da sociedade britânica da época: pessoas comuns que, sob o véu da guerra, podem ocultar segredos terríveis.
Temas centrais
Além do suspense, o livro explora:
- O medo da traição interna – O maior risco não vem apenas dos inimigos externos, mas daqueles infiltrados no próprio território.
- A banalidade da guerra – Christie mostra pessoas tentando manter a normalidade, mesmo em meio a um conflito devastador.
- O papel da classe média inglesa – A pensão funciona como um retrato da vida cotidiana, onde figuras aparentemente comuns podem se revelar agentes decisivos.
- Parceria e confiança – O relacionamento entre Tommy e Tuppence mostra como a cumplicidade conjugal se torna uma arma poderosa contra o perigo.
Estilo e recepção
Em M ou N?, Christie foge um pouco do “whodunit” clássico de seus romances policiais. O foco está menos em um assassinato isolado e mais em um jogo de espionagem, onde a identidade do traidor é o grande enigma.
Embora não seja tão celebrado quanto suas obras mais famosas — como Assassinato no Expresso do Oriente ou O Assassinato de Roger Ackroyd —, o livro foi bastante popular na época, justamente por dialogar com as ansiedades do público.
Um detalhe curioso é que, em pleno período de guerra, o livro chegou a despertar atenção das autoridades britânicas: Christie cita no enredo o nome de “Major Bletchley”, que coincidentemente era também o local onde funcionava o ultrassecreto centro de decodificação de mensagens nazistas. Houve desconfiança de que a autora soubesse demais, mas tudo não passou de coincidência literária.
Atualidade da obra
Hoje, M ou N? pode ser lido como um documento cultural tanto quanto uma história de mistério. Ele revela como a guerra permeava a vida cotidiana e como o medo da infiltração inimiga se traduzia em literatura popular. Além disso, apresenta uma faceta menos conhecida de Christie: sua habilidade em transpor o suspense policial para o universo da espionagem.
Para leitores contemporâneos, é também uma oportunidade de conhecer Tommy e Tuppence em um de seus momentos mais maduros, mostrando que Christie sabia diversificar seu repertório e manter frescor narrativo.
Conclusão
M ou N? é uma obra que combina espionagem, humor e suspense, sem perder a marca registrada de Agatha Christie: a habilidade em enganar o leitor até o último instante. Embora não esteja entre seus romances mais célebres, merece atenção por ser um retrato fiel da atmosfera da Segunda Guerra e por mostrar que a autora era capaz de adaptar sua genialidade ao espírito do tempo.
Para quem gosta de mistérios com pitadas de história e personagens carismáticos, este é um livro indispensável — e uma prova de que, em qualquer cenário, Christie sabia prender seu público com maestria.
Até mais!
Tête-à-Tête

Deixe uma resposta