Poucos livros da Bíblia provocam tanta reflexão existencial quanto o Eclesiastes. Escrito em um estilo poético, filosófico e, por vezes, enigmático, esse texto antigo nos confronta com perguntas que permanecem vivas até hoje: Qual é o sentido da vida? Vale a pena correr atrás de riqueza, prazer e reconhecimento? O que permanece depois da morte?

O autor, tradicionalmente identificado como Salomão, mas chamado no próprio livro de “o Pregador” (Qohelet, em hebraico), fala como um observador maduro da existência. Ele olha para o mundo “debaixo do sol” e constata: tudo é vaidade, isto é, vazio, transitório, efêmero. Essa percepção ressoa com qualquer pessoa que já experimentou o gosto amargo da frustração após alcançar algo que parecia ser a chave da felicidade.

Neste artigo, vamos explorar a filosofia do livro, sua mensagem central e sua atualidade para quem busca compreender o sentido da vida.


O Realismo Brutal de Eclesiastes

Diferente de outros livros bíblicos que celebram a lei, a fé ou a esperança, Eclesiastes começa com uma sentença dura:

“Vaidade de vaidades, diz o Pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade.” (Ecl 1:2)

Essa expressão não significa apenas futilidade, mas transitoriedade, algo que escapa das mãos como vapor. O Pregador observa que tudo o que o ser humano faz “debaixo do sol” — isto é, neste mundo finito — está sujeito ao desgaste do tempo.

Ele fala do ciclo da natureza (o sol que nasce e se põe, os ventos que circulam, os rios que correm para o mar), mostrando que, apesar de toda atividade humana, nada parece realmente mudar. O ser humano, por mais sábio, poderoso ou rico que seja, não escapa ao destino comum: a morte.


A Busca por Significado: Sabedoria, Prazer e Trabalho

O Pregador descreve sua própria busca por sentido. Ele experimenta três grandes caminhos que a humanidade costuma seguir:

  • A sabedoria: buscou conhecimento, mas descobriu que “em muita sabedoria há muito enfado” (Ecl 1:18). Saber mais não eliminou sua angústia, apenas a aprofundou.
  • O prazer: mergulhou em festas, vinho, riquezas e mulheres, mas tudo se revelou vazio, uma alegria momentânea que não trouxe satisfação duradoura (Ecl 2:1-11).
  • O trabalho: dedicou-se a grandes obras, projetos e conquistas, mas percebeu que teria de deixar tudo para outros, sem garantia de que cuidariam bem do que ele construiu (Ecl 2:18-23).

Esse percurso mostra uma desilusão progressiva: nada debaixo do sol é capaz de dar significado último à vida.


O Tempo e a Inevitabilidade da Morte

Um dos trechos mais belos e conhecidos do livro é o poema do capítulo 3:

“Há tempo para todo propósito debaixo do céu: tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de colher…”

Aqui, o Pregador reconhece que a vida é marcada por ciclos que não controlamos. O ser humano tem a intuição da eternidade, mas está preso ao tempo. Isso gera frustração: queremos algo permanente, mas vivemos num mundo de impermanência.

A morte aparece como a grande equalizadora: sábios e tolos, ricos e pobres, todos seguem para o mesmo destino. Essa constatação, que pode soar sombria, é também um chamado à humildade.


O Convite à Alegria no Presente

Apesar do tom melancólico, Eclesiastes não é apenas um livro de pessimismo. Pelo contrário, há repetidos convites à alegria no presente:

  • “Não há nada melhor para o homem do que comer, beber e gozar do bem do seu trabalho” (Ecl 2:24).
  • “Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias da tua vida de vaidade” (Ecl 9:9).

O autor não propõe uma busca desenfreada por prazeres, mas uma atitude de gratidão pelas pequenas dádivas da vida: a comida, a bebida, o amor, o descanso, o trabalho honesto. Esses momentos simples tornam-se preciosos justamente porque sabemos que a vida é breve.


A Vaidade e a Eternidade

O centro filosófico de Eclesiastes é a tensão entre a vaidade do mundo e o desejo humano por algo eterno. O Pregador reconhece:

“Deus pôs a eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até o fim.” (Ecl 3:11)

Aqui está a chave: a vida debaixo do sol é limitada, mas o coração humano deseja mais. Somos marcados por um anseio que as coisas deste mundo não podem satisfazer.

Essa percepção aponta para a necessidade de transcender o horizonte terrestre. O sentido não está apenas “debaixo do sol”, mas além dele, em Deus.


O Temor a Deus: Conclusão do Pregador

O livro se encerra com uma síntese clara:

“De tudo o que se tem ouvido, o fim é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem.” (Ecl 12:13)

Ou seja, a busca pelo significado encontra repouso em uma vida de reverência a Deus. Não se trata de negar os prazeres da existência, mas de colocá-los em seu devido lugar: dons passageiros de um Criador eterno.

Assim, o temor a Deus dá profundidade ao presente e esperança diante da morte.


A Atualidade de Eclesiastes

O fascínio de Eclesiastes é sua atualidade universal. Mesmo após quase três milênios, ele dialoga diretamente com a mentalidade moderna:

  • No mundo da produtividade e do trabalho excessivo, lembra que tudo é efêmero e que o descanso também é um dom.
  • No consumo desenfreado, lembra que o prazer, por si só, não satisfaz.
  • Na obsessão pelo conhecimento, lembra que nem toda sabedoria humana consegue decifrar o mistério da vida.

Ele fala à nossa era de ansiedade, onde muitos buscam sentido em carreira, status ou experiências intensas, mas continuam sentindo um vazio. A mensagem do Pregador é clara: nenhum desses caminhos resolve a questão existencial sem a perspectiva de Deus.


Conclusão

Eclesiastes é um livro desconcertante, mas profundamente verdadeiro. Ele expõe a fragilidade da vida humana, denuncia as ilusões de grandeza e nos convida a uma existência mais humilde, grata e reverente.

Sob o sol, tudo é vaidade. Mas acima do sol, há um Deus eterno que dá sentido ao efêmero. O segredo da vida, portanto, não está em escapar da transitoriedade, mas em viver plenamente cada dia com a consciência de que somos sustentados por algo maior.

No fim, o Pregador nos ensina que a resposta para a inquietação humana não está apenas em nossos esforços, mas em reconhecer a eternidade que Deus plantou em nosso coração.


O livro de Eclesiastes continua sendo uma obra-prima de sabedoria. Ele não oferece fórmulas fáceis, mas uma reflexão honesta e profunda sobre o que significa viver em um mundo passageiro. Para quem busca sentido, sua mensagem é clara: o verdadeiro significado não está em correr atrás do vento, mas em viver diante de Deus.


Até mais!

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