Molière, mestre incontornável do teatro francês do século XVII, é reconhecido pela habilidade em construir comédias que, por trás do riso, revelam críticas profundas à sociedade de sua época. A Escola dos Maridos (L’École des maris), apresentada pela primeira vez em 1661, é uma de suas primeiras grandes peças e já traz, de maneira clara, o estilo característico do autor: a combinação entre situações cômicas, diálogos ágeis e a exposição satírica de costumes sociais.
A trama gira em torno de dois irmãos, Sganarelle e Ariste, que representam visões de mundo opostas. Ambos são tutores de jovens órfãs — Isabelle e Léonor, respectivamente — a quem pretendem desposar. O núcleo do conflito está no contraste entre a rigidez de Sganarelle, que busca controlar cada passo de Isabelle, e a benevolência liberal de Ariste, que confia em Léonor e lhe concede liberdade. É justamente nesse choque entre a tirania e a confiança, entre o autoritarismo e a autonomia, que Molière constrói sua crítica à mentalidade patriarcal e ao controle masculino sobre as mulheres.
Sganarelle é a encarnação da mentalidade conservadora, ciumenta e desconfiada. Para ele, a mulher deve ser vigiada, cerceada em suas ações, afastada das influências externas que possam ameaçar a autoridade masculina. A jovem Isabelle, no entanto, não se resigna: ela demonstra astúcia e habilidade em lidar com o tutor opressor, elaborando planos e encontrando aliados para conquistar sua liberdade. A personagem feminina, portanto, é o verdadeiro motor da ação, evidenciando que a inteligência e a autonomia podem desafiar a rigidez imposta por normas sociais e familiares.
Ariste, por sua vez, encarna a visão oposta: acredita que o amor não pode ser imposto nem mantido pela vigilância, mas nasce e se sustenta pela confiança. Ele defende que o respeito e a liberdade geram relações mais sólidas e verdadeiras. Essa contraposição entre os irmãos serve como metáfora para dois modos de conceber as relações entre os sexos: de um lado, a tradição de dominação; de outro, a possibilidade de uma convivência mais igualitária e humana.
A comicidade da peça nasce justamente das tentativas frustradas de Sganarelle em manter Isabelle sob seu controle. Sua rigidez se transforma em ridículo, pois quanto mais se esforça para controlar, mais dá brechas para ser enganado. Essa ironia é típica de Molière: as figuras que se prendem a excessos ou paixões desmedidas acabam sendo caricaturas de si mesmas, expostas ao riso do público.
No entanto, A Escola dos Maridos vai além da comédia leve. Ao ridicularizar a tirania masculina, a peça lança um olhar crítico sobre o papel da mulher na sociedade do século XVII, questionando as estruturas que legitimavam o controle absoluto do homem sobre sua esposa. Embora ainda limitado ao contexto de seu tempo, o texto antecipa debates que, séculos depois, seriam centrais nos movimentos de emancipação feminina. Isabelle, ao resistir e agir com inteligência, representa a semente da contestação feminina diante da opressão.
Outro aspecto importante é a função pedagógica e social da comédia em Molière. Ao expor o comportamento autoritário de Sganarelle ao riso público, a peça não apenas diverte, mas também educa, sugerindo que esse tipo de conduta é ultrapassado, ineficaz e até grotesco. O público, ao rir, também reflete sobre os limites do poder masculino e sobre a importância da confiança nas relações humanas.
No desfecho, como em muitas das comédias de Molière, prevalece a vitória da liberdade e da inteligência sobre a opressão. Isabelle consegue escapar ao jugo de Sganarelle e se unir ao homem que ama, enquanto Ariste demonstra que a confiança é o caminho mais eficaz para o verdadeiro vínculo afetivo. Assim, a moral implícita da peça é clara: o amor não pode florescer sob coerção, mas apenas quando respeita a autonomia e a dignidade do outro.
Conclusão
A Escola dos Maridos é, em essência, um retrato das tensões entre tradição e modernidade, entre autoridade e liberdade, entre controle e confiança. Embora situada no século XVII, a peça toca em questões que permanecem atuais, como a igualdade de gênero e o respeito à autonomia feminina. Molière, com sua genialidade, transforma um enredo aparentemente simples em uma reflexão atemporal sobre as relações humanas, mostrando que a comédia, quando bem construída, é capaz de provocar riso e pensamento em igual medida.
Com essa obra, o dramaturgo não apenas consolidou seu lugar na cena teatral francesa, mas também legou ao público uma crítica sagaz às estruturas patriarcais de sua época, antecipando debates que ainda hoje ecoam. A Escola dos Maridos permanece como um marco da literatura dramática, exemplo da força de Molière em unir arte, riso e crítica social.
Até mais!
Tête-à-Tête

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