Giambattista Vico (1668–1744) é um dos pensadores mais originais e subestimados da história da filosofia. Nascido em Nápoles, em pleno contexto do barroco europeu, ele desafiou os paradigmas racionalistas de sua época ao propor uma nova forma de compreender o conhecimento, a cultura e a história humana. Sua obra mais importante, Scienza Nuova (A Ciência Nova), publicada em 1725, lançou as bases para o que hoje chamamos de filosofia da história, além de antecipar ideias fundamentais da antropologia, da sociologia e até mesmo da linguística.


Vida e contexto intelectual

Vico nasceu numa família modesta e teve uma formação marcada pela influência dos jesuítas e pelos estudos clássicos. Foi professor de retórica na Universidade de Nápoles por mais de 40 anos, embora suas ideias não tenham recebido o devido reconhecimento em vida. Vico viveu num momento em que o racionalismo cartesiano e o cientificismo galileano dominavam o cenário intelectual europeu. Para os pensadores do século XVII, como Descartes e Newton, o conhecimento verdadeiro era aquele que podia ser demonstrado por meio da razão pura ou da observação matemática da natureza.

Vico, por outro lado, percebeu os limites dessa abordagem quando aplicada ao mundo humano. Enquanto os racionalistas buscavam verdades universais e eternas, ele via a cultura, a linguagem, o direito e as instituições como produtos históricos e mutáveis. Isso o levou a propor uma ciência diferente: não das coisas naturais, mas das coisas humanas.


A Scienza Nuova: um novo olhar sobre a história

A obra magna de Vico, A Ciência Nova, foi publicada em três versões (1725, 1730 e 1744). Trata-se de um tratado denso, repleto de aforismos, alegorias e referências mitológicas, o que a torna, à primeira vista, de difícil leitura. No entanto, seu conteúdo é revolucionário. Vico propõe que a história deve ser estudada não como uma coleção de fatos, mas como a manifestação do espírito humano em suas diferentes etapas de desenvolvimento.

Sua ideia central é o princípio de que só podemos conhecer verdadeiramente aquilo que nós mesmos fazemos. Assim como Deus conhece a natureza porque a criou, o homem pode conhecer a história porque ele mesmo a constrói. Essa tese contrasta radicalmente com a visão cartesiana de que a razão abstrata seria capaz de compreender tudo, inclusive o comportamento humano.


A teoria dos ciclos históricos

Um dos aspectos mais conhecidos do pensamento de Vico é sua teoria dos ciclos históricos, que ele denominou de “corsi e ricorsi”. Segundo ele, todas as civilizações passam por três estágios principais:

  1. Era dos deuses – quando os seres humanos viviam sob a dominação do medo e da religião, interpretando os fenômenos naturais como manifestações divinas. A linguagem nesse estágio é simbólica e mitológica.
  2. Era dos heróis – caracterizada por uma sociedade aristocrática, onde os valores heroicos e a força predominam. Aqui surgem os mitos heroicos e as primeiras formas de direito consuetudinário.
  3. Era dos homens – marcada pela racionalidade, pela criação das leis civis e pela democracia. É a era da razão, do discurso jurídico e da organização institucional.

Segundo Vico, depois da era dos homens, as sociedades tendem à decadência moral, ao individualismo extremo e à desintegração, retornando, então, a um novo ciclo histórico — o ricorso. Essa teoria rompe com a visão linear e progressista da história dominante no Iluminismo, propondo, em vez disso, uma dinâmica cíclica baseada na cultura, na linguagem e na psicologia coletiva dos povos.


A importância da linguagem e da mitologia

Outro ponto inovador de Vico está em sua compreensão da linguagem como um fator essencial para a formação da consciência histórica. Ele foi um dos primeiros a notar que os povos antigos pensavam e falavam em termos poéticos, metafóricos, e que sua compreensão do mundo era moldada por imagens e símbolos. Por isso, para entender os antigos, não bastava aplicar a razão moderna; era preciso entrar no mundo imaginativo das origens, reinterpretando os mitos, os poemas épicos e as tradições orais como formas legítimas de pensamento.

Essa valorização do imaginário coletivo como base da cultura antecipou em muito os estudos modernos da mitologia comparada (como os de Joseph Campbell) e da psicologia simbólica (como a de Jung), além de inspirar, séculos mais tarde, pensadores como Claude Lévi-Strauss na antropologia estruturalista.


A crítica ao racionalismo e ao cientificismo

Vico não rejeita a razão, mas critica sua absolutização. Ele afirma que os métodos das ciências naturais, tão eficazes para estudar a física ou a matemática, não são adequados para compreender os fenômenos humanos, que são marcados pela contingência, pela subjetividade e pela historicidade. Sua crítica ao racionalismo é, portanto, uma defesa da pluralidade dos saberes, onde a história, a retórica, a poesia e o direito também têm seu lugar legítimo na busca pelo conhecimento.

Esse posicionamento antecipou debates contemporâneos sobre as diferenças entre ciências humanas e ciências naturais, além de influenciar correntes como o historicismo alemão e a hermenêutica filosófica.


Vico e seu legado intelectual

Embora ignorado por muitos em sua época, Vico seria redescoberto no século XIX e especialmente no século XX. Pensadores como Benedetto Croce e Antonio Gramsci, na Itália, valorizaram sua ênfase na cultura e na história. No campo da filosofia, Vico influenciou Wilhelm Dilthey, Gadamer e Paul Ricoeur, ao propor que o conhecimento humano só pode ser compreendido no contexto de sua origem histórica e simbólica.

Na linguística e na antropologia, suas ideias sobre os estágios da linguagem e a importância dos mitos ecoam nos trabalhos de Ernst Cassirer, Claude Lévi-Strauss e Mircea Eliade. Na literatura, autores como James Joyce e Giambattista Basile também dialogaram com seu universo simbólico e poético.

Mesmo na teoria da história moderna, Vico é hoje considerado um dos fundadores da filosofia da história — ou seja, da tentativa de pensar a história não apenas como narrativa de fatos, mas como fenômeno interpretativo, cultural e humano.


Conclusão

Giambattista Vico foi um pensador visionário que ousou propor uma nova ciência das coisas humanas num mundo dominado pela fé no método matemático. Em vez de buscar verdades universais fora da experiência humana, ele mergulhou na história, na linguagem e na imaginação coletiva para entender como os seres humanos constroem, transformam e destroem suas sociedades.

Sua Ciência Nova permanece como um monumento filosófico da resistência ao dogmatismo racionalista e da valorização da cultura como fonte legítima de conhecimento. Estudar Vico hoje é reconhecer que a razão sozinha não basta para compreender o que é humano, e que precisamos olhar para nossos mitos, rituais e histórias para nos compreendermos plenamente.

Ao unir filosofia, história, poesia e política, Vico nos lembra que a verdadeira sabedoria não está em separar os saberes, mas em saber como eles se entrelaçam na aventura humana através do tempo.


Até mais!

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