Quem foi Camus e o que é o absurdo

Albert Camus (1913–1960), filósofo, escritor e jornalista franco-argelino, se destacou por sua reflexão sobre o absurdo — o choque entre nossa necessidade de sentido e a indiferença do universo. Para ele, assim como para outros pensadores existencialistas, a vida moderna intensifica esse descompasso: somos inundados por informações, tecnologia e expectativas, mas permanecemos vazios de propósito.

O Estrangeiro (1942), seu romance semiautobiográfico mais famoso, encarna essa filosofia. A obra acompanha Meursault, um homem pragmático, que vive sem grandes emoções, completamente indiferente à moral e às expectativas sociais.

A distância afetiva de Meursault diante da vida mostra o absurdo: a disparidade entre o que o mundo espera da gente e o que somos de fato. E é justamente esse constraste que torna o livro tão relevante — mesmo 80 anos depois de sua publicação.


A alienação como condição moderna

Meursault é um homem alienado — literalmente um “estrangeiro” no próprio mundo. Eis alguns traços:

  • Emoções anestesiadas: ele não chora no funeral da mãe;
  • Atitudes práticas e rationais: prefere passar o tempo pescando ou nadando;
  • Indiferença social: recusa-se a agir conforme exigências sociais — como demonstrar pesar ou pensar no futuro.

Camus não pinta Meursault como um herói, mas como um espelho. Ele nos confronta com a pergunta: até que ponto fingimos nos importar para pertencer a uma sociedade que valoriza rituais vazios e obediência moral?

Essa alienação se intensifica na vida contemporânea. Nossa era digital promete conexão, mas nos deixa mais isolados e desconectados de nossos desejos profundos. A leitura de Meursault provoca desconforto porque nos obriga a encarar essa desconexão.


O julgamento como espetáculo e norma social

No centro do romance está o julgamento de Meursault, acusado não tanto de assassinato – embora ele tenha matado um homem –, mas de não ter chorado no funeral da mãe. O tribunal se delimita como juiz moral mais do que legal, sugerindo que nos condenam por não cumprirmos os rituais sociais.

Isso ecoa na sociedade atual:

  • Testes de moralidade nas redes sociais (como “cancelamentos”);
  • A valorização da imagem pública — que julgamos mais importante do que o conteúdo real.

O questionamento de Camus continua atual: até que ponto somos julgados por não atender padrões sociais com autenticidade?


O absurdo como ética da liberdade

Em vez de procurar sentido externo ou cair na desesperança, Camus propõe um caminho ativo: a revolta consciente. Para ele, aceitar o absurdo não é se render — e sim assumir a liberdade de construir o próprio sentido.

Como a lição de O Estrangeiro ainda nos afeta:

  • Assumir responsabilidade emocional: Meursault não arruma justificativas: ele vive por suas próprias razões — e paga o preço por isso.
  • Revolta criativa: em vez de se desculpar, ele mantém sua visão de que a vida é, sim, absurda — porque isso é verdadeiro para ele.
  • Liberdade radical: sua honestidade funcional torna-se uma forma de liberdade: ele vive com consciência, mesmo ao preço da condenação.

Uma estrutura profunda e atemporal

O romance tem estrutura simples – poucas personagens, poucos diálogos – mas sua força está na concisão, na escrita seca e objetiva. Cada evento é narrado com frieza, o que reforça a alienação de Meursault. Esse estilo próprio de Camus constrói uma atmosfera de vazio comunicacional, típico da era moderna.

O mundo contemplacional e impessoal dele é o mesmo de hoje: a rotina vazia, a incapacidade de se conectar com profundidade, a perda do sentido último. Mesmo sem grandes reviravoltas, O Estrangeiro deixa uma marca duradoura.


Por que continuamos lendo O Estrangeiro?

  1. Por mostrar, de forma crua, nossa condição humana — que não, não fizemos uma revolução, e o absurdo ainda está ali.
  2. Por nos desafiar a questionar: por que vivemos do jeito que vivemos?
  3. Porque nos dá uma lição moral valiosa: a autenticidade incomoda — mas também liberta.
  4. Porque o silêncio de Meursault ecoa no tempo: suas palavras são poucas, mas nos fazem ouvir nossos próprios silêncios.
  5. Por sua escrita simples e impactante, que lembra que, às vezes, menos é mais — inclusive na linguagem.

Lições práticas para a vida moderna

  • Aceite seus sentimentos — ou a falta deles: não finja tristeza, medo ou alegria para pertencer.
  • Cuide do que é realmente seu: suas emoções, sua liberdade, sua visão.
  • Questione padrões sociais sem se condenar: não é preciso chorar só porque “é o que se espera”.
  • Encontre pequenos sentidos cotidianos: uma paisagem, uma conversa, um gesto de liberdade.
  • Reflita sobre suas escolhas: seu modo de viver é resultado do que você escolheu – consciente ou inconscientemente.

Conclusão

O Estrangeiro é mais do que um livro — é um espelho essencial da era moderna. Ele nos mostra que a alienação, a indiferença geral, a pressão da norma e o vazio existencial não são problemas apenas pessoais, mas condições estruturais da sociedade.

Camus continua sendo relevante porque nos oferece a coragem de reconhecer o absurdo, enfrentar o “não sentido” e ainda assim, preservar a dignidade da existência. É por isso que, mesmo em tempos submetidos à rotina, ao desempenho e à imagem, ainda lemos O Estrangeiro — para lembrar que há liberdade em viver uma vida que escolhemos, mesmo que ela pareça absurda.


Até mais!

Tête-à-Tête