Contexto e estrutura

Escrito por volta de 380 a.C., O Banquete (ou Simpósio) é narrado por Apolodoro, que repete a história contada por Aristodemo, participante direto dos discursos oferecidos na casa de Agatão, em comemoração à sua vitória como poeta trágico. O tema central é o amor, ou Eros, explorado por meio de vários discursos — Fedro, Pausânias, Erixímaco, Aristófanes, Agatão e, finalmente, Sócrates — até ser complementado pelo incendiário Alcibíades.


Os discursos e suas contribuições

Fedro: o amor como força motivadora

Fedro abre a discussão exaltando Eros como o mais antigo dos deuses, responsável por inspirar atos de coragem e virtude. Ele enfatiza a glória que nasce do desejo de impressionar quem amamos.


Pausânias: dois tipos de eros

Ele diferencia o amor vulgar (erótico, corporal, passageiro) do amor celestial (voltado à alma e à sabedoria). Sua defesa do amor filosófico aponta para a ascensão moral que a paixão pode proporcionar.


Erixímaco: o amor cósmico

Do ponto de vista médico, o amor não é apenas relacional, mas também biológico e universal. Ele sustenta que o equilíbrio entre corpos e almas reflete a harmonia do cosmos .


Aristófanes: mito da busca pela metade perdida

Em uma narrativa poética, Aristófanes conta que os seres humanos eram originalmente andróginos. Punição divina os separou, e desde então cada metade busca sua parte perdida — explicação a que atribui o vínculo profundo entre amantes.


Agatão: elogio estético a Eros

Mais retórico, seu discurso enaltece a juventude, a beleza e as virtudes do deus do amor — uma celebração estilizada do poder sedutor que o amor exerce sobre os homens.


Sócrates: o amor como busca do belo

Sócrates desfaz as ideias anteriores e usa o ensinamento da sacerdotisa Diotima para mostrar que Eros não é bom nem belo — seres desejam o que lhes falta. Assim, o verdadeiro amor é desejo de perpetuar o bem, buscar a beleza e, finalmente, contemplar o ideal divino de Beleza.


Alcibíades: exaltação ao mestre

Embriagado, Alcibíades entra, rende-se aos aplausos e faz um poderoso elogio a Sócrates. Ele destaca o autocontrole do filósofo, sua serenidade em batalha e a frieza ao recusar seus avanços amorosos, o que reforça a imagem de Eros elevado — ligado à mente, não ao corpo .


Temas centrais e desenvolvimento

  • A escada do amor (scala amoris): a partir do amor sensível, ascende-se ao amor à alma, à beleza e, finalmente, ao universo das Ideias — culminando no amor ao conhecimento.
  • Eros como intermediário: nem deus nem humano, Eros é um daimon que aproxima o mortal do divino.
  • Amor como ferramenta filosófica: o amor desperta a busca filosófica, levando a alma ao que é eterno e imaterial .

Avaliação crítica

Pontos fortes

  • Riqueza de perspectivas – cada fala representa uma faceta do amor (corporal, intelectual, filosófico).
  • O estilo é ao mesmo tempo literário, poético e analítico – ideal tanto para admiradores de filosofia quanto de prosa clássica.
  • O discurso de Sócrates revela profundidade metafísica e humanista incomparáveis, alicerçados no método dialético platônico.

Questões discutíveis

  • A narrativa é idealizada — reflete mais o ideal platônico do que o realismo histórico, o que pode afastar quem busca análise factual .
  • A presença masculina só reforça uma visão patriarcal, embora Diotima ofereça uma voz feminina e mística.
  • A leitura moderna pode considerar a abordagem do homoerotismo controversa, ainda que seja contexto cultural grego — Platão aborda o tema sem tabus.

Legado e relevância

  • Influência duradoura: transformou o modo como a filosofia ocidental compreende o amor, da paixão cega ao desejo racional pelo Bem.
  • Uso educacional: a ideia da escala do amor é base para estudos sobre ética, psicologia, teologia e teoria pedagógica.
  • Ruptura literária: Platão funde o diálogo dramaticamente estruturado, a dialética e o símbolo religioso, produzindo um texto híbrido e atemporal.

Conclusão

O Banquete é muito mais do que uma celebração amorosa — é uma sofisticada reflexão filosófica sobre o Eros, partindo de manifestações humanas até tocar o eterno. Sua progressão estratégica de discursos permite compreender como, no pensamento platônico, o amor pode converter-se em amor da sabedoria.

A obra permanece atual por apresentar um caminho de ascensão espiritual e intelectual válido para nossas próprias buscas contemporâneas — sejam acadêmicas, afetivas ou morais.


Até mais!

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