Publicada em 1956, A Mentalidade Anticapitalista é uma obra concisa e provocadora do economista austríaco Ludwig von Mises, um dos principais nomes da Escola Austríaca de economia. Neste livro, Mises não pretende oferecer um tratado técnico sobre economia, como em seus trabalhos mais densos (Ação Humana, por exemplo), mas sim um ensaio mais acessível voltado ao público geral, com o objetivo de compreender e refutar as causas psicológicas e sociológicas da hostilidade ao capitalismo.

Ao longo do texto, Mises argumenta que a antipatia ao capitalismo não se fundamenta em argumentos racionais ou em uma compreensão adequada do sistema de mercado, mas sim em ressentimentos pessoais, frustrações individuais e incompreensão do funcionamento econômico moderno. A obra é, portanto, tanto uma defesa do capitalismo quanto uma crítica cultural à mentalidade predominante entre intelectuais, artistas e membros da classe média.


A estrutura do argumento

O livro pode ser dividido em três grandes linhas argumentativas:

  1. O capitalismo como sistema de cooperação pacífica
    Mises começa relembrando a natureza do capitalismo de livre mercado, que ele considera como o único sistema que promoveu prosperidade, inovação e paz em larga escala. Ele argumenta que a economia de mercado se baseia na cooperação voluntária entre indivíduos, mediada pelos preços, lucros e perdas, e que ela se orienta diretamente para a satisfação das demandas dos consumidores. Para Mises, o verdadeiro “soberano” no capitalismo não é o empresário ou o investidor, mas sim o consumidor, que determina quais empresas prosperam e quais desaparecem.
  2. A inveja e o ressentimento como motores do anticapitalismo
    O ponto central da obra reside na explicação das motivações psicológicas por trás do anticapitalismo. Mises acredita que muitos indivíduos — especialmente membros da classe média e intelectuais — abrigam ressentimentos contra os capitalistas de sucesso. Isso porque, no mercado livre, o sucesso depende da capacidade de atender às necessidades do público, não do status social tradicional ou da formação acadêmica. Assim, muitos que se consideram intelectualmente superiores se veem ultrapassados por empreendedores práticos e inovadores, o que gera uma sensação de injustiça e frustração. A crítica ao capitalismo, então, serve como uma racionalização moral dessas emoções negativas.
  3. A hostilidade dos intelectuais e a cultura anticapitalista
    Mises dedica atenção especial ao papel dos intelectuais — escritores, professores, jornalistas, artistas — na propagação de ideias anticapitalistas. Ele argumenta que esse grupo tende a se opor ao capitalismo porque, em geral, não são bem-sucedidos financeiramente dentro dele. Como sua renda depende muitas vezes do Estado ou de subsídios, e não do mercado, os intelectuais têm um incentivo psicológico e material para desprezar o sistema capitalista e promover ideologias que defendam maior intervenção estatal.

Estilo e acessibilidade

O estilo de Mises neste livro é direto, assertivo e por vezes mordaz. Ele não se preocupa em agradar ou suavizar suas críticas. Embora sua argumentação esteja impregnada de conceitos econômicos, o autor evita jargões excessivos e se esforça para apresentar suas ideias de forma clara para o leitor comum. Por essa razão, A Mentalidade Anticapitalista é frequentemente recomendado como uma introdução acessível ao pensamento misesiano, embora aborde mais aspectos culturais e psicológicos do que propriamente econômicos.


Críticas e controvérsias

Apesar da clareza e da força argumentativa de Mises, a obra não escapa de críticas — tanto de seus contemporâneos quanto de leitores modernos.

  1. Reducionismo psicológico
    Uma das principais críticas feitas ao livro é a sua tendência ao reducionismo psicológico. Ao atribuir a oposição ao capitalismo quase exclusivamente à inveja, ressentimento e frustrações pessoais, Mises pode parecer desconsiderar argumentos legítimos e éticos contra o sistema de mercado, como preocupações com desigualdade, exploração ou degradação ambiental. Sua análise muitas vezes ignora a complexidade das motivações políticas e filosóficas por trás das ideias socialistas ou intervencionistas.
  2. Desprezo pela crítica cultural
    Mises mostra pouco apreço pela crítica cultural ao capitalismo, especialmente aquela feita por escritores e artistas. Ele vê essa crítica como mera expressão de inveja e ressentimento, sem considerar que ela também pode surgir de uma preocupação autêntica com os efeitos desumanizadores de certas formas de organização econômica, como o consumismo ou a alienação no trabalho.
  3. Visão idealizada do mercado
    A defesa do capitalismo feita por Mises é incondicional. Ele vê o mercado como um sistema quase infalível de coordenação e progresso, subestimando as falhas reais que podem ocorrer em ambientes de livre mercado, como cartéis, abusos de poder econômico ou externalidades negativas. Isso pode passar a impressão de um otimismo ingênuo ou dogmático.

Relevância atual

Apesar de escrita há quase sete décadas, A Mentalidade Anticapitalista continua relevante no debate contemporâneo. Em tempos de crescente polarização política, onde ideias socialistas voltam a ganhar espaço, especialmente entre jovens e acadêmicos, o livro de Mises fornece uma visão crítica — e desafiadora — sobre os motivos emocionais e sociais por trás da rejeição ao capitalismo.

Além disso, sua análise antecipa muitas discussões modernas sobre política de identidade, cultura do ressentimento e psicologia da vitimização que hoje permeiam parte do discurso político. Mesmo para quem discorda das conclusões de Mises, sua abordagem psicológica e sociológica fornece um ponto de partida útil para refletir sobre o papel das emoções e da cultura nas crenças políticas.


Conclusão

A Mentalidade Anticapitalista é um ensaio curto, polêmico e provocativo que revela não apenas o pensamento de Ludwig von Mises, mas também o espírito combativo da Escola Austríaca diante das críticas ao livre mercado. O livro não é isento de falhas — seu tom pode ser excessivamente duro e suas explicações, por vezes simplificadoras —, mas oferece uma perspectiva única e valiosa sobre a relação entre cultura, psicologia e economia.

Para os defensores do liberalismo econômico, trata-se de uma leitura obrigatória. Para os críticos do capitalismo, é uma obra que, mesmo que não convença, desafia e instiga o debate. Em qualquer caso, Mises cumpre o papel de provocar reflexão — o que, em si, já é uma das maiores virtudes de um livro.


Até mais!

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