Publicado postumamente em 1855, Noite na Taverna é uma das obras mais emblemáticas da Segunda Geração do Romantismo brasileiro — também chamada de Ultrarromantismo ou Romantismo Byroniano, em referência ao poeta inglês Lord Byron. Escrita por Álvares de Azevedo, um dos principais nomes desse período, a obra revela com intensidade os traços sombrios, melancólicos e transgressores da juventude romântica brasileira da metade do século XIX.

Composta por uma sequência de narrativas interligadas em uma atmosfera noturna e decadente, Noite na Taverna é um verdadeiro mergulho nas angústias existenciais, no culto à morte, nos amores impossíveis e nos excessos de uma geração marcada pela idealização e pelo sofrimento.


Contexto histórico e literário

A 2ª geração do Romantismo brasileiro desenvolveu-se entre 1840 e 1860. Os autores desse período, geralmente jovens e influenciados por poetas europeus como Byron, Musset e Goethe, refletiam em sua produção um espírito pessimista, egocêntrico e niilista. Havia um forte culto ao tédio, à morte, ao amor idealizado (e muitas vezes frustrado), e ao desejo de evasão da realidade, seja pelo sonho, pelo delírio ou pela fuga romântica.

Álvares de Azevedo, que morreu precocemente aos 20 anos, em 1852, é o principal representante desse período no Brasil. Noite na Taverna, escrita quando ele ainda era estudante na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, é uma obra que encarna todos esses valores de maneira visceral.


Estrutura da obra

O livro se passa em uma taverna sombria, onde um grupo de jovens — Solfieri, Bertram, Gennaro, Claudius Hermann e Johann — se reúne para contar suas histórias de vida. Cada narrativa é carregada de tragédias, amores doentios, crimes, delírios, drogas e mortes, sempre envolta em um clima de mistério e morbidez. A estrutura é semelhante à de um ciclo de contos, com uma moldura narrativa que conecta os relatos individuais dos personagens.

Essa técnica lembra obras como Decamerão, de Boccaccio, ou Os Contos da Cantuária, de Chaucer, mas com uma inversão: em vez de histórias edificantes, temos confissões decadentes, viscerais e perturbadoras.


Temas principais

Morte e morbidez

A obsessão com a morte está em todos os relatos. Os personagens não apenas convivem com a morte, como muitas vezes a provocam ou a desejam. A figura da mulher morta — ou que morre por amor — é recorrente. A morte não é apenas fim, mas também estética e fascínio.

Erotismo e transgressão

A sexualidade aparece de forma intensa e muitas vezes perversa. Os personagens vivem amores passionais, incestuosos, violentos ou impossíveis. O erotismo vem sempre acompanhado da culpa ou da punição, revelando o conflito entre desejo e moral.

Tédio e niilismo

Os jovens da taverna vivem o tédio de quem já experimentou todos os prazeres e ainda assim permanece insatisfeito. Buscam sentido em uma vida vazia, marcada pela fuga em vícios e atitudes autodestrutivas. A existência é retratada como algo efêmero e sem propósito.

Sonho e delírio

Muitos relatos beiram o fantástico ou o onírico. O mundo apresentado é marcado por alucinações, delírios e estados alterados de consciência. A linha entre realidade e fantasia é muitas vezes indistinta, refletindo o desejo de evasão tão característico do Ultrarromantismo.


Análise dos personagens e seus relatos

Solfieri

Primeiro a contar sua história, Solfieri é uma figura sombria e atormentada. Seu relato envolve necrofilia e delírio, ao resgatar uma jovem aparentemente morta que mantém consigo, em um cenário entre o poético e o grotesco. É um dos contos mais marcantes e mórbidos do livro.

Bertram

Sua história envolve uma viagem e uma paixão obsessiva que culmina em assassinato. Bertram representa o amante trágico e destrutivo, preso a um ideal inatingível, que leva à ruína tanto ele quanto a mulher amada.

Gennaro

Mais irônico e cínico que os demais, seu relato apresenta uma visão debochada do amor e do prazer. Gennaro também vive um amor incestuoso com a própria irmã, revelado no final de sua narrativa. O tom é mais satírico, mas ainda perturbador.

Claudius Hermann

Provavelmente o personagem mais cruel do grupo, é protagonista de uma história marcada pela violência extrema e pelo desprezo pela vida alheia. A frieza e brutalidade de suas ações contrastam com qualquer ideal romântico.

Johann

O último a falar, Johann fecha o ciclo com uma história que mistura paixão, traição e arrependimento. Sua narrativa tem um tom mais reflexivo, com certo peso moral, embora ainda imersa na estética decadente.


Estilo e linguagem

A linguagem de Noite na Taverna é intensamente poética, mesmo quando trata de temas sórdidos. Álvares de Azevedo usa recursos como metáforas, hipérboles, construções retóricas e imagens sensoriais para criar um universo carregado de emoção, drama e beleza sombria. O lirismo do autor transforma os cenários mais decadentes em pinturas literárias envolventes.

Ao mesmo tempo, há momentos de humor ácido e ironia, principalmente nos trechos de Gennaro, revelando um domínio da variação tonal e uma crítica à própria hipocrisia da sociedade romântica.


Importância da obra

Noite na Taverna é considerada uma das obras mais importantes do Romantismo brasileiro por romper com os padrões idealistas da 1ª geração e mergulhar no lado obscuro da experiência humana. Azevedo expõe a dualidade do ser — entre o desejo e o remorso, o amor e a morte, a razão e o delírio — com uma profundidade que ainda hoje impressiona.

Além disso, a obra antecipa elementos que serão explorados mais tarde no Simbolismo e no Modernismo, como o subjetivismo, a fragmentação narrativa e o interesse por temas psicológicos.


Noite na Taverna é uma obra ousada, intensa e visceral. Álvares de Azevedo, com sua breve vida e produção literária precoce, deixou um legado marcante na literatura brasileira. O livro é um retrato fiel da angústia romântica da juventude oitocentista, mas também um grito existencial que atravessa o tempo.

Se, por um lado, pode chocar pela crueza de seus temas e a morbidez de suas imagens, por outro revela uma impressionante sensibilidade estética e uma rara sofisticação na construção de atmosferas.

É leitura obrigatória para quem deseja compreender não apenas a 2ª geração romântica, mas também as raízes do inconformismo e da introspecção na literatura brasileira.


Até mais!

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