Publicado em 1926, O Sol Também se Levanta (The Sun Also Rises) é o primeiro romance de Ernest Hemingway, e já traz de forma marcante as características que definiriam sua obra: a linguagem direta, os diálogos secos, a abordagem existencialista e a representação de uma geração desiludida com os horrores da Primeira Guerra Mundial. É uma narrativa que combina desencanto, viagens, festas e o vazio emocional dos protagonistas — um retrato emblemático da chamada Geração Perdida.
Contexto e ambientação
O romance se passa nos anos 1920, sobretudo em Paris e na Espanha, e acompanha um grupo de expatriados americanos e britânicos que vagam entre cafés, bares e touradas, buscando prazer, sentido e alguma forma de pertencimento em um mundo que parece ter perdido suas referências morais e espirituais.
Essa geração, marcada pelo trauma da guerra e pela perda de ilusões, encontra-se num cenário de hedonismo, cinismo e constante deslocamento. A narrativa de Hemingway, ao mesmo tempo contida e profundamente simbólica, dá voz a esse mal-estar da modernidade — uma espécie de melancolia do pós-guerra que perpassa cada linha do romance.
Enredo
A história é contada em primeira pessoa por Jake Barnes, um jornalista americano residente em Paris. Jake é um personagem essencialmente hemingwayano: introspectivo, lacônico, cínico e ferido — literalmente e simbolicamente. Durante a guerra, sofreu um ferimento que o deixou impotente, o que afeta sua relação amorosa com Lady Brett Ashley, figura central do enredo.
Brett é uma mulher fascinante, moderna, livre, mas também profundamente instável emocionalmente. Ela ama Jake, mas busca outros homens porque ele não pode satisfazê-la sexualmente. Entre os outros personagens estão Robert Cohn, um escritor inseguro e ressentido; Bill Gorton, amigo espirituoso de Jake; e Mike Campbell, noivo alcoólatra de Brett.
O grupo viaja para Pamplona, na Espanha, para assistir à tradicional Festa de São Firmino, com suas famosas touradas e corridas de touros. É nesse cenário vibrante, mas também brutal, que as tensões entre os personagens se intensificam. O triângulo amoroso entre Jake, Brett e o toureiro Pedro Romero — um jovem símbolo de virilidade e bravura — atinge o ápice durante a festa, enquanto Cohn entra em conflito com quase todos os personagens por ciúmes e frustrações.
Ao final, resta apenas o esvaziamento. A esperança de uma vida plena parece tão ilusória quanto a promessa de redenção moral ou espiritual. O romance termina com Jake e Brett juntos no carro, após ela ter abandonado Romero. “Poderíamos ter sido felizes juntos”, ela diz. E Jake responde: “Sim, não é bonito pensar nisso?” — uma frase que resume o tom melancólico da obra.
Temas principais
A Geração Perdida
Hemingway retrata um grupo de personagens que, embora jovens, se encontram profundamente desencantados. O termo “Geração Perdida” foi cunhado por Gertrude Stein, referindo-se aos jovens traumatizados pela Primeira Guerra Mundial, que buscavam novos sentidos para a vida em meio ao caos moral do pós-guerra.
A falta de propósito, o abuso de álcool, os relacionamentos vazios e a busca incessante por sensações intensas são reflexo de uma geração que perdeu a fé nos valores tradicionais.
Impotência física e emocional
Jake Barnes, o narrador, é marcado pela impotência literal, fruto de uma ferida de guerra. Mas sua condição é também simbólica: representa a impotência emocional de uma geração inteira, incapaz de agir, de amar plenamente, de encontrar um propósito.
Hemingway nunca descreve explicitamente a natureza do ferimento de Jake, o que amplia seu valor metafórico. Ele é o homem moderno ferido, que observa o mundo com lucidez e dor silenciosa.
A masculinidade em crise
O romance questiona os modelos tradicionais de masculinidade. Jake, embora corajoso e honesto, é impotente. Cohn é fisicamente forte, mas fraco emocionalmente. Mike é um bêbado sarcástico. E Pedro Romero, o toureiro jovem, representa a virilidade idealizada, mas também a brutalidade primitiva.
Hemingway parece sugerir que a guerra e a modernidade colocaram em xeque os antigos ideais de bravura, honra e controle.
O vazio existencial
Por trás das festas, viagens e bebedeiras, há sempre um vazio. Os personagens tentam escapar de si mesmos por meio de distrações constantes, mas nenhuma delas é suficiente para preencher o vazio existencial que os persegue. A falta de propósito permeia a narrativa do início ao fim.
Estilo de Hemingway
O estilo de Hemingway em O Sol Também se Levanta é marcado pela simplicidade, objetividade e uso de frases curtas. Ele foi o principal representante da técnica conhecida como “teoria do iceberg”: ou seja, o que é dito no texto é apenas uma pequena parte daquilo que realmente se passa nos bastidores emocionais dos personagens. O essencial está subentendido.
Os diálogos são realistas e secos, por vezes repetitivos, mas carregados de subtexto. O narrador raramente comenta diretamente as emoções ou pensamentos dos personagens, o que exige atenção e sensibilidade por parte do leitor.
Importância literária
O Sol Também se Levanta estabeleceu Hemingway como uma das vozes mais importantes da literatura americana. O livro é considerado uma das grandes obras do modernismo literário do século XX. Sua influência pode ser sentida em autores posteriores que adotaram uma linguagem econômica, direta e cheia de elipses psicológicas.
Mais do que uma narrativa sobre relações amorosas ou viagens, o livro é um retrato profundo de uma época e de um estado de espírito coletivo. A festa em Pamplona, com sua beleza, violência e intensidade, serve como metáfora para a vida moderna — um espetáculo frenético e muitas vezes sem sentido.
Conclusão
O Sol Também se Levanta é uma obra rica, ambígua e poderosa. É ao mesmo tempo um romance de ação e introspecção, de viagens e de estagnação emocional. Hemingway oferece um retrato sutil e devastador de uma geração à deriva, ferida pela guerra e pela modernidade, mas ainda em busca de algo — mesmo que seja apenas o consolo de uma lembrança ou a beleza efêmera de uma festa.
Sua linguagem contida e sua profundidade emocional fazem deste livro uma obra-prima do século XX, ainda relevante e provocadora. Ler Hemingway é entrar em contato com a dor contida, o silêncio eloquente e a beleza crua da condição humana.
Até mais!
Tête-à-Tête

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