Publicado originalmente em 2016, O Poder , de Naomi Alderman, é uma obra de ficção científica que mistura distopia, suspense e crítica social. O livro explora uma inversão radical das estruturas de poder ao imaginar um mundo em que as mulheres adquirem a habilidade de emitir descargas elétricas através de seus corpos. Essa mudança aparentemente simples provoca um abalo sísmico nas relações de gênero, subvertendo posições sociais milenares.


Sinopse

A história é ambientada em um mundo muito semelhante ao nosso, até que um evento disruptivo altera completamente as dinâmicas sociais. Adolescentes do sexo feminino desenvolvem um órgão chamado fita de meada, que lhes dá o poder de gerar descargas elétricas capazes de causar dor e até matar. Esse poder, chamado de “dom”, pode ser passado para mulheres adultas, criando um cenário em que o equilíbrio de poder entre os gêneros muda drasticamente.

O livro acompanha quatro personagens principais cujas vidas são afetadas de maneiras únicas pela descoberta desse poder:

Roxy: Filha de um chefão do crime, ela usa seu domínio para reivindicar espaço em um mundo dominado por homens violentos.

Allie: Uma jovem que escapa de um lar abusivo e se torna “Mãe Eva”, líder espiritual de uma nova religião centrada no poder feminino.

Margot: Uma política ambiciosa que vê no dom uma oportunidade para ascender ao poder político.

Tunde: Um jornalista que viaja o mundo documentando as mudanças causadas pelo dom, representando o ponto de vista masculino nessa nova ordem.


Temas Principais

Gênero e Poder

O núcleo do romance é uma exploração de como o poder corrompe, independentemente do gênero. Quando as mulheres ganham o domínio, elas rapidamente passam de oprimidas a opressoras, replicando (e, em alguns casos, superando) os mesmos abusos que antes sofriam. Alderman questiona se o poder absoluto pode realmente ser exercido de maneira justa.

Violência e Desigualdade

A inversão de papéis de gênero é acompanhada por uma recriação de ciclos de violência e exploração. Uma obra que critica a forma como as sociedades naturalizam essas práticas, mostrando que a violência não é inerente ao gênero, mas ao desequilíbrio de poder.

Religião e Manipulação

Com a personagem de Allie/Mãe Eva, Alderman explora como o poder pode ser usado para criar sistemas religiosos que justifiquem desigualdades. O surgimento de uma nova religião feminina questiona as raízes patriarcais das religiões tradicionais e levanta questões sobre fé, manipulação e dogmatismo.

Mídia e Percepção Pública

O ponto de vista de Tunde expõe como a mídia molda a percepção do público, documentando tanto os triunfos quanto os horrores provocados pelo novo equilíbrio de poder.


Estilo de Escrita

A narrativa é apresentada de forma não linear e fragmentada, com capítulos alternando entre os quatro protagonistas. Esse estilo proporciona uma visão multifacetada dos eventos, mostrando como diferentes culturas e indivíduos reagem à mudança. Alderman também utiliza dispositivos literários como cartas e documentos fictícios para contextualizar a história como um relato histórico analisado no futuro, um toque que enriquece a profundidade da obra.


Personagens e Desenvolvimento

Roxy: Representa a força brutal e a busca pela sobrevivência em um mundo violento. Sua trajetória é uma das mais cruas e impactantes, explorando os limites do poder físico.

Allie/Mãe Eva: Uma das personagens mais complexas, Allie transforma seu dor em uma força que a impulsiona a liderança, mas sua ascensão revela as armadilhas do fanatismo religioso.

Margot: Como política, Margot simboliza a corrupção institucionalizada, mostrando que o poder, quando aliado à ambição, pode rapidamente se tornar tóxico.

Tunde: Seu ponto de vista externo e masculino oferece uma perspectiva única sobre o impacto das mudanças, humanizando as experiências daquelas que perderam sua preferência.


Pontos Fortes

Subversão Inteligente

Alderman inverte os papéis de gênero de maneira brilhante, expondo as desigualdades e violências naturalizadas em nossa sociedade. Essa versão obriga o leitor a confrontar questões difíceis sobre privilégio e opressão.

Narrativa Provocadora

O livro não oferece respostas simples. Pelo contrário, desafia o leitor a refletir sobre como o poder molda nossas interações e instituições, deixando em aberto a questão de como seria um mundo realmente equitativo.

Mistura de Gêneros Literários

Com elementos de ficção científica, política, sociologia e suspense, O Poder transcende categorias tradicionais, oferecendo uma leitura envolvente e multifacetada.


Aspectos para Melhorar

Apesar de sua profundidade, alguns críticos apontam que o final pode parecer abrupto e deixa certos arcos narrativos sem fechamento adequado. Além disso, a violência explícita em algumas partes pode ser desconfortável para certos leitores, embora seja essencial para o impacto da obra.


Relevância Cultural

O Poder ganhou notoriedade por sua relevância nos tempos de debates sobre feminismo, desigualdade de gênero e abuso de poder. A autora também foi mentora de Margaret Atwood, autora de O Conto da Aia, outra obra que examina as dinâmicas de gênero. Essa conexão é evidente na forma como Alderman construiu sua narrativa como uma alegoria crítica, assim como Atwood fez em sua obra seminal.


O Poder é uma leitura impactante que desafia percepções tradicionais sobre gênero, poder e sociedade. Naomi Alderman entrega uma obra provocativa, que não apenas entretém, mas também provoca reflexões profundas sobre as desigualdades que permeiam nosso mundo.

Embora perturbador em alguns momentos, o livro é essencial para quem deseja questionar as estruturas sociais e imaginar possibilidades de mudança, mesmo que utópicas ou distópicas. Com sua narrativa afiada e provocadora, O Poder consolida Alderman como uma voz poderosa na ficção contemporânea.


Até mais!

Equipe Tête-á-Tête