Publicado em 1830, O Vermelho e o Negro é uma das principais obras do escritor francês Stendhal (pseudônimo de Marie-Henri Beyle), conhecido por sua sagacidade e análise profunda da sociedade. Considerado um dos primeiros romances psicológicos da literatura ocidental, o livro oferece uma análise meticulosa da sociedade francesa pós-napoleônica e da ambição individual. O romance explora temas como hipocrisia social, luta de classes e os dilemas internos do protagonista, Julien Sorel, que sonha em ascender socialmente a qualquer custo.
Contexto Histórico e Social
A história se passa na França pós-napoleônica, um período de grande instabilidade política, no qual a burguesia e a aristocracia lutavam pelo poder. Essa era foi marcada pela tensão entre as forças da revolução e a restauração da monarquia, que havia acabado de ser restaurada com a queda de Napoleão. Nesse cenário, Stendhal cria uma história que reflete as ambições, frustrações e desigualdades da sociedade de sua época, lançando uma crítica à hipocrisia moral e religiosa da França conservadora e católica.
Enredo e Estrutura
O livro acompanha Julien Sorel, um jovem de origem humilde e filho de um carpinteiro, que tenta ascender socialmente usando a inteligência e a astúcia. Dividido em duas partes, o romance narra sua trajetória desde uma pequena cidade provinciana até seu envolvimento com figuras da alta sociedade. Ao longo do caminho, Julien oscila entre o desejo de se tornar um militar (simbolizado pelo “vermelho”) e a vida religiosa (simbolizada pelo “negro”), duas opções que representam suas aspirações de poder e prestígio.
No início, ele é empregado como tutor dos filhos do Sr. de Rênal, prefeito da cidade de Verrières. Ele acaba se envolvendo em um romance com Madame de Rênal, esposa de seu empregador, o que leva a um escândalo e obriga Julien a deixar a cidade. A partir daí, ele ingressou no seminário e depois vai para Paris, onde conhece Mathilde de La Mole, filha de um marquês influente. Com ela, ele inicia um segundo romance, que se desenrola de maneira trágica e culmina em sua prisão e julgamento.
Julien Sorel e a Ambição
Julien Sorel é um dos personagens mais complexos da literatura francesa. Sua personalidade contraditória revela uma série de conflitos internos: ao mesmo tempo em que despreza a sociedade aristocrática e suas hipocrisias, ele deseja desesperadamente fazer parte dela. Influenciado pela admiração por Napoleão, ele sonha em conquistar grandeza, mas, sendo de origem modesta, percebe que suas opções de ascensão são limitadas ao sacerdócio ou à política. A escolha de Julien de seguir uma carreira religiosa é irônica e cínica, pois ele não tem nenhuma verdadeira vocação para a religião, utilizando-a apenas como meio de ascensão.
A ambição de Julien é alimentada por uma luta constante entre o orgulho pessoal e o desejo de poder. Ele é ao mesmo tempo vaidoso, idealista e profundamente ressentido com a sua posição social. Esse ressentimento o leva a agir de forma calculista e fria em muitas situações, sacrificando seus sentimentos e relacionamentos em nome de sua busca por status. O desejo de subir na posição social o torna vulnerável às armadilhas da hipocrisia e distante de qualquer tipo de felicidade genuína.
As Relações Amorosas e a Hipocrisia Social
As duas relações amorosas de Julien, com Madame de Rênal e Mathilde de La Mole, são centrais para o desenvolvimento do enredo e da temática do livro. A relação com Madame de Rênal é baseada na paixão e, em certo nível, sinceridade. Madame de Rênal é uma mulher sensível e vulnerável que se apaixona por Julien, ignorando os preconceitos de classe. Julien, por outro lado, vê o romance como uma forma de provar a si mesmo que pode conquistar uma mulher da alta sociedade. Essa relação expõe a tensão entre seu desejo de ascensão e sua incapacidade de lidar com sentimentos genuínos.
Já o romance com Mathilde é muito mais frio e calculista. Mathilde é uma personagem forte, complexa e também ambiciosa, que se encanta com a personalidade audaciosa de Julien. Contudo, seu interesse por ele é muitas vezes movido pelo desejo de desafiar as convenções e se afirmar como uma mulher de espírito revolucionário. Esse romance, no entanto, se deteriora devido às manipulações mútuas e ao egoísmo de ambos. Julien vê em Mathilde uma oportunidade de avançar socialmente, mas essa relação acaba revelando o vazio de sua busca por poder e reconhecimento.
Stendhal utiliza esses relacionamentos para explorar a hipocrisia e a superficialidade das convenções sociais da época, mostrando como os personagens sacrificam o amor verdadeiro em prol de suas ambições e aparências. Julien, em sua busca por status, acaba se afastando de qualquer possibilidade de felicidade, enquanto as mulheres que se envolvem com ele estão envolvidas com as normas sociais.
A Crítica à Sociedade e o Realismo Psicológico
O Vermelho e o Negro é uma crítica mordaz à sociedade francesa, principalmente à aristocracia e ao clero. Stendhal revela como uma elite utiliza a religião como ferramenta de controle social e como uma burguesia emergente em busca de imitar os hábitos e valores da nobreza, cria uma sociedade superficial e moralista. Através de Julien, ele expõe a falsidade e o egoísmo dos membros dessa sociedade, que, sob o manto da virtude e da religiosidade, escondem interesses ambiciosos e mesquinhos.
Stendhal também se destaca por sua habilidade em explorar a psicologia de seus personagens. Ele examina minuciosamente as motivações, pensamentos e sentimentos de Julien, revelando o funcionamento interno de sua mente e as contradições que o caracterizam. Esse realismo psicológico faz de O Vermelho e o Negro uma obra inovadora para sua época e um precursor do romance psicológico moderno.
Estilo e Técnica Narrativa
Stendhal é conhecido por seu estilo direto e observador. Ele utiliza uma linguagem simples, porém específica, com segurança e diálogos vivos que capturam a essência dos personagens e das situações. Ao longo do romance, o autor combina ironia e realismo, oferecendo uma visão crítica, mas não moralista, das ações de seus personagens. Essa abordagem confere à narrativa uma profundidade e complexidade que reflete as ambiguidades da vida real.
O estilo de Stendhal é marcado por sua observação detalhada e imparcial dos comportamentos humanos, e sua técnica de cristalização – conceito que ele descreve em sua obra Do Amor – é aplicada para explorar como os personagens projetam seus desejos e aspirações nos objetos de sua ambição, construindo ilusões que acabam se desfazendo ao longo da trama.
Conclusão e Legado
O Vermelho e o Negro é uma obra prima da literatura francesa e uma crítica atemporal às estruturas de poder e às ambições humanas. Ao longo da trajetória trágica de Julien Sorel, Stendhal aborda temas universais como o conflito entre classes, a hipocrisia social e as consequências da ambição desenfreada. O romance é tanto um reflexo das tensões de sua época quanto uma análise psicológica profunda da busca por identidade e propósito em um mundo de aparências e convenções.
O legado de O Vermelho e o Negro é vasto e influente. Uma obra apreciada por gerações de escritores, incluindo Flaubert, Tolstói e Dostoiévski, que admirava a capacidade de Stendhal de capturar a complexidade da alma humana e as nuances das interações sociais. A jornada de Julien Sorel continua a ser relevante, ecoando questões sobre limitações, ambição e dificuldades de navegação em uma sociedade marcada pela desigualdade e pelas convenções. O Vermelho e o Negro é, sem dúvida, uma das grandes obras da literatura mundial e um estudo profundo da condição humana.
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Equipe Tête-à-Tête

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