O livro “O Escravismo Colonial” , escrito por Jacob Gorender , é uma das obras mais importantes sobre a história da escravidão no Brasil, sendo considerado um marco na historiografia brasileira. Publicada pela primeira vez em 1978, a obra analisa de forma profunda e detalhada as características do sistema escravista no Brasil colonial, inserindo-o dentro de um contexto mais amplo do capitalismo global. Gorender, que também foi militante comunista e historiador autodidata, oferece uma perspectiva crítica, marxista e inovadora sobre a relação entre o sistema econômico colonial e a instituição da escravidão.
O Contexto Histórico e Intelectual de Gorender
Jacob Gorender escreveu “O Escravismo Colonial” num momento de efervescência intelectual no Brasil, quando buscava reavaliar e compreender melhor as raízes históricas da formação social e econômica do país. Na década de 1970, havia uma tendência crescente de revisitar a história do Brasil sob o prisma das lutas de classes e das influências econômicas globais. Gorender, com sua formação marxista, abandona as visões tradicionais que tratam a escravidão colonial como um aspecto puramente econômico ou como um fato isolado na história brasileira.
Ao longo de sua obra, Gorender busca desconstruir a ideia de que a escravidão era apenas uma fase de transição para o capitalismo no Brasil, argumentando que ela foi, na verdade, uma base essencial para a acumulação primitiva de capital na fase inicial de desenvolvimento do capitalismo europeu. Segundo ele, a escravidão no Brasil não pode ser vista como um elemento anacrônico ou secundário dentro do sistema capitalista, mas sim como uma parte integrante e central do desenvolvimento desse sistema.
A Teoria do “Escravismo Colonial”
Gorender cunhou o termo “escravismo colonial” para descrever o sistema econômico que caracterizou como colônias brasileiras. Ele definiu esse sistema como uma forma de produção que combinava elementos do escravismo, característicos das sociedades antigas, com a lógica de acumulação capitalista, típica da modernidade. Para Gorender, o escravismo colonial foi uma adaptação particular das colônias ao capitalismo global emergente.
No escravismo colonial, a exploração do trabalho escravo era uma base produtiva. O trabalho solicitado aos africanos trazidos para o Brasil foi essencial para a produção de riqueza através das plantações de açúcar, tabaco e, posteriormente, café. No entanto, Gorender argumenta que o sistema escravista brasileiro não era uma simples reprodução do modelo escravista da Antiguidade ou de outras sociedades pré-modernas, mas sim um componente essencial da fase inicial de acumulação capitalista.
Ele enfatiza que, enquanto os lucros provenientes da exploração dos escravos alimentavam o crescimento do capitalismo na Europa, o Brasil se mantinha preso a uma estrutura arcaica e dependente. Isso gerou contradições internas profundas, como o atraso do desenvolvimento industrial e a concentração da terra e da riqueza nas mãos de poucos.
Crítica ao Modo de Produção Colonial
Gorender faz uma crítica contundente ao modelo econômico que sustentou a escravidão no Brasil, destacando que o escravismo colonial não era apenas uma fase transitória, mas uma forma de organização econômica completa, que atendia às necessidades do capitalismo europeu. Ele critica, por exemplo, o conceito de “modo de produção escravista” adotado por alguns historiadores, argumentando que essa terminologia tende a simplificar e obscurecer a complexidade do sistema escravista nas colônias.
Na visão de Gorender, o sistema escravista colonial no Brasil era multifacetado, envolvia não apenas a exploração direta dos escravos, mas também a integração do país na economia capitalista global. Ele destaca que a escravidão foi um elemento chave para a criação de uma elite latifundiária extremamente poderosa e a formação de uma economia exportadora, voltada para atender às demandas europeias.
Essa crítica é particularmente importante porque oferece uma nova perspectiva sobre o desenvolvimento econômico brasileiro, indicando que a escravidão não foi apenas uma “herança maldita”, mas um fator central para entender o subdesenvolvimento econômico e as desigualdades sociais que ainda persistem no Brasil.
A Resistência Escrava e as Contradições do Sistema
Outro ponto crucial abordado por Gorender é a resistência dos escravos dentro desse sistema opressor. Embora o foco da obra seja a análise das estruturas econômicas e políticas do escravismo colonial, Gorender também reconhece o papel ativo dos escravos como agentes históricos. Ele examina as formas de resistência que os escravos adotaram, desde fugas para quilombos até as revoltas e as negociações cotidianas por melhores condições de vida.
A resistência escrava, para Gorender, foi um fator fundamental para uma crise e eventual decadência do sistema escravista. A resistência não apenas desafiava diretamente a autoridade dos senhores de escravos, mas também revelava as contradições internas do sistema. A necessidade de repressão constante e o temor de revoltas generalizadas expuseram as fragilidades do modelo escravista e suas limitações para o desenvolvimento de um sistema econômico sustentável a longo prazo.
A Transição para o Trabalho Livre
No final de sua análise, Gorender abordou a transição do trabalho escravo para o trabalho livre no Brasil, destacando que esse processo foi lento e cheio de lacunas. Para ele, a abolição da escravidão em 1888 não significou uma ruptura completa com o passado, mas sim uma reconfiguração das formas de exploração do trabalho.
A elite latifundiária brasileira, ao perceber que o trabalho escravo se tornava insustentável frente à pressão internacional e ao esgotamento do sistema, começou a adotar gradualmente formas de trabalho assalariado, sem, no entanto, modificar as estruturas profundas de concentração de poder e riqueza. Gorender argumenta que a transição para o trabalho livre foi, na realidade, uma continuação da exploração, sob novas formas.
Esse aspecto da obra é relevante para entender as persistências históricas das desigualdades sociais no Brasil contemporâneo, onde as formas de exploração e a pressão mudaram, mas não foram eliminadas.
Relevância e Impacto da Obra
“O Escravismo Colonial” é uma obra fundamental para quem deseja compreender a história econômica e social do Brasil. A análise de Gorender oferece uma perspectiva crítica que desafia as interpretações tradicionais da escravidão e da formação do capitalismo no Brasil. Sua abordagem marxista permite uma compreensão mais ampla das relações de poder e das contradições internas que marcaram o desenvolvimento do país.
A contribuição de Gorender vai além da simples descrição dos fatos históricos; ele nos convida a refletir sobre as consequências estruturais da escravidão no Brasil e como ela moldou as relações sociais e econômicas que perduram até hoje. O conceito de escravismo colonial, por exemplo, foi amplamente debatido na historiografia brasileira e influenciou gerações de estudiosos.
Além disso, sua análise sobre a resistência escrava e a transição para o trabalho livre oferece insights importantes sobre as continuidades e rupturas na história do Brasil. Gorender destaca que a abolição da escravidão foi um processo contraditório, onde a liberdade formal dos ex-escravos não significou necessariamente uma melhoria nas condições de vida para a maioria da população negra.
Conclusão
“O Escravismo Colonial” de Jacob Gorender é uma obra de grande relevância para a compreensão do papel da escravidão na formação do Brasil. Ao adotar uma perspectiva marxista, Gorender oferece uma análise crítica e profunda das contradições do sistema escravista colonial e sua relação com o desenvolvimento do capitalismo global.
A obra não apenas desmistifica as visões tradicionais sobre a escravidão, mas também oferece um novo marco teórico para entender as origens das desigualdades sociais no Brasil. Com sua abordagem rigorosa e suas críticas, Gorender contribui para o debate historiográfico e oferece uma leitura necessária para aqueles que desejam compreender as raízes históricas da sociedade brasileira.
Até mais!
Equipe Tête-à-Tête

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