Olavo de Carvalho, filósofo e pensador brasileiro, apresenta uma tese instigante e provocativa ao afirmar que os mortos são “os mais excluídos entre todos os excluídos”. Para Carvalho, essa exclusão é mais do que uma simples questão de afastamento físico; ela representa uma exclusão de ordem moral, social e cultural. Em um mundo cada vez mais voltado para a instantaneidade e o consumismo, a sociedade, segundo Carvalho, parece negligenciar, ou até mesmo ignorar, o legado, as experiências e o valor dos mortos. Este artigo explora essa tese, discutindo o contexto filosófico e cultural que sustenta essa exclusão e os impactos que ela pode ter na sociedade contemporânea.
O Contexto da Exclusão dos Mortos
A tese de Olavo de Carvalho se insere num contexto maior, onde ele critica o materialismo e a falta de profundidade da sociedade moderna. Para Carvalho, a morte deveria ocupar um lugar de importância nos debates culturais e filosóficos. No entanto, a sociedade atual tende a marginalizar a morte, tratando-a como um assunto incômodo e pouco explorado. Os mortos, segundo ele, acabam sendo esquecidos e excluídos porque a sociedade valoriza, sobretudo, aquilo que é imediato e tangível.
Esse esquecimento e exclusão têm raízes profundas na modernidade. A sociedade ocidental moderna, influenciada pelo cientificismo e pelo racionalismo, desenvolveu uma relação distante com a morte. O avanço tecnológico e a constante busca por inovação desenvolveu uma cultura que vê o passado como obsoleto e, muitas vezes, irrelevante. Nesse contexto, os mortos deixam de ser lembrados como figuras que influenciaram a história, a cultura e os valores, tornando-se apenas sombras que não mais importam.
A Exclusão dos Mortos: Uma Questão de Memória e Identidade
Um dos principais aspectos da exclusão dos mortos apontados por Olavo de Carvalho é o apagamento da memória coletiva. A história e a identidade de uma sociedade são construídas, em grande parte, pela memória de seus mortos, que preservam o legado de gerações passadas. Quando uma sociedade deixa de valorizar os mortos, ela também ignora a sabedoria acumulada ao longo dos anos. Em seu livro O Imbecil Coletivo, Carvalho argumenta que esse processo de exclusão é prejudicial, pois a sociedade se distancia de suas próprias raízes, perdendo-se em uma busca incessante pelo novo e desprezando o antigo.
Esse desligamento é mais visível em culturas onde o avanço tecnológico e a pressa para seguir em frente se sobrepõem ao preço pela tradição e pela história. Quando uma sociedade exclui seus mortos, ela acaba deixando de lado elementos fundamentais de sua própria identidade. A ausência de uma ligação com o passado contribui para uma visão distorcida do presente e para uma projeção incerta do futuro.
A Morte na Filosofia e o Papel da Tradição
A exclusão dos mortos também envolve um elemento filosófico profundo: o papel da tradição e da continuidade histórica. Em muitas filosofias, a morte é vista como parte integrante da existência humana, representando um ciclo que deve ser aceito e compreendido. Filósofos como Martin Heidegger e Friedrich Nietzsche discutem a importância de se confrontar a morte para entender o valor da vida.
Para Olavo de Carvalho, a exclusão dos mortos representa uma perda de profundidade existencial. Ele argumenta que a sociedade atual evita a reflexão sobre a finitude e a condição humana. Em vez disso, busca o conforto do entretenimento e do consumismo, o que, segundo ele, empobrece o espírito humano. Ao ignorar a importância da morte e, por extensão, dos mortos, a sociedade se desconecta da tradição, dos valores que transcendem o tempo e das lições aprendidas ao longo da história.
A Cultura da Imediaticidade e a Negação da Morte
A modernidade caracteriza-se por uma cultura de imediaticidade, onde o passado é frequentemente descartado em prol do presente. As mídias sociais e o ritmo acelerado de produção e consumo de informações reforçam a ideia de que o passado é irrelevante. Nesse cenário, os mortos são vistos como “exclusões naturais”, ou seja, algo que não faz parte do cotidiano moderno. Olavo de Carvalho sugere que essa exclusão é uma das formas mais extremas de alienação, pois nega à sociedade a possibilidade de aprender com o passado.
Para Carvalho, a sociedade contemporânea prefere ignorar a finitude da vida, focando apenas no aqui e agora. Esse foco no presente gera uma mentalidade de negação da morte, que é muitas vezes relegada ao esquecimento. Para ele, os mortos são os mais excluídos não apenas porque estão fisicamente ausentes, mas porque a própria sociedade escolheu afastá-los do pensamento e da memória coletiva.
A Exclusão dos Mortos e dos Valores Espirituais
Outro ponto relevante na tese de Carvalho é o aspecto espiritual. Ele afirma que a exclusão dos mortos representa também uma perda de valores espirituais e transcendentais. Em muitas religiões e tradições, os mortos ocupam um lugar de reverência e são lembrados como parte da continuidade da vida. Os rituais de luto, as cerimônias e a lembrança dos antepassados são formas de honrar os mortos e manter viva a conexão com o passado.
No entanto, na sociedade moderna, a morte é frequentemente medicalizada e ocultada. O avanço científico permite prolongar a vida e minimizar o sofrimento, mas também pode gerar uma visão reducionista da existência. Essa visão ignora os aspectos espirituais e simbólicos da morte, tratando-a como um evento puramente biológico. Para Carvalho, essa abordagem desumaniza a morte e reforça a exclusão dos mortos, que passam a ser vistos apenas como “seres do passado” sem relevância para a atualidade.
O Papel da Filosofia na Valorização dos Mortos
Para Olavo de Carvalho, a filosofia tem o papel crucial de lembrar à sociedade a importância dos mortos e da reflexão sobre a morte. Ele defende que o verdadeiro pensamento filosófico deve se confrontar com a realidade da finitude, confirmando que a morte faz parte da experiência humana e que, sem essa reflexão, a vida perde parte de seu sentido. Segundo Carvalho, filósofos e pensadores deveriam incentivar o diálogo sobre a morte e o reconhecimento do valor dos mortos.
A filosofia, nesse sentido, é vista como um antídoto contra a superficialidade da cultura moderna. Ao colocar os mortos de volta no centro do pensamento, a filosofia resgata a profundidade e o significado que a morte traz para a existência. A morte, ao ser encarada como uma realidade significativa, nos permite compreender melhor a vida e valorizar as lições deixadas por aqueles que já partiram.
A Importância de Redefinir a Relação com os Mortos
A tese de Olavo de Carvalho sugere que, para que uma sociedade moderna encontre um equilíbrio, é necessário redefinir sua relação com os mortos. Isso significa considerar o valor das gerações passadas e integrar as lições do passado ao presente. Ao fazer isso, a sociedade resgata sua identidade cultural e constrói uma base sólida para o futuro.
Carvalho acredita que, sem a simbólica dos mortos, a sociedade se torna mais frágil e vulnerável. A exclusão dos mortos contribui para uma cultura do vazio, onde o passado é descartado e o futuro é incerto. Ao trazer os mortos de volta à memória coletiva, a sociedade se reconecta com suas raízes e fortalece os laços entre as gerações.
A Atualidade da Tese de Olavo de Carvalho
A tese de Olavo de Carvalho, que afirma que os mortos são “os mais excluídos entre todos os excluídos”, nos convida a uma reflexão profunda sobre a sociedade contemporânea e sua relação com a morte. Em um mundo onde a velocidade e o materialismo dominam, a exclusão dos mortos representa uma perda de valores, de sabedoria e de conexão com o passado.
Ao ignorar a importância dos mortos, a sociedade moderna perde sua profundidade espiritual e filosófica, tornando-se cada vez mais superficial e focada no presente imediato. Carvalho nos lembra que a verdadeira sabedoria está em considerar o valor daqueles que vieram antes de nós, aprendendo com suas experiências e integrando suas lições à nossa própria existência.
Portanto, a tese de Carvalho é um alerta para a necessidade de reavaliar nossa cultura e valorizar os mortos como parte essencial da construção de uma sociedade mais consciente e conectada com sua própria história. Afinal, ao lembrar dos mortos, não apenas honramos sua memória, mas também enriquecemos nossa compreensão da vida e da condição humana.
Até mais!
Benhur, Tête-à-Tête

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