A Bíblia, considerada por muitos como a palavra divina, tem uma história rica e complexa em suas traduções. Traduzida para inúmeras línguas ao longo dos séculos, a Bíblia passou por um processo extenso de adaptação e preservação, movendo-se por diferentes culturas e tradições linguísticas. Entre as traduções mais importantes da Bíblia, destacam-se a Septuaginta, uma tradução do hebraico para o grego, e a Vulgata, que a partir do hebraico, grego e aramaico, foi traduzida para o latim.

Neste artigo, exploraremos a história dessas traduções fundamentais, o contexto no qual foram feitas e sua importância para o desenvolvimento do cristianismo e da cultura ocidental.


O Texto Original da Bíblia: Hebraico, Aramaico e Grego

Antes de entrarmos nas traduções, é importante entender as línguas originais da Bíblia. O Antigo Testamento, ou Tanakh (escrituras hebraicas), foi escrito predominantemente em hebraico, com algumas partes em aramaico. O aramaico era uma língua semítica amplamente falada no Oriente Médio, e muitas passagens de livros como Daniel e Esdras foram escritas nesse idioma.

O Novo Testamento, por outro lado, foi escrito em grego koiné, que era o dialeto popular da época, utilizado como língua franca em todo o Império Romano. As Escrituras originais refletiam a diversidade linguística e cultural do antigo Oriente Médio e do Mediterrâneo, e esse pluralismo foi transferido para as traduções que se seguiram.


A Septuaginta: A Bíblia em Grego

Uma das traduções mais antigas e influentes da Bíblia é a Septuaginta, também conhecida como LXX. Essa tradução foi realizada no século III a.C. em Alexandria, uma cidade cosmopolita no Egito, onde uma grande comunidade judaica falava predominantemente o grego em vez do hebraico. A palavra “Septuaginta” deriva do latim para “setenta”, em referência à lenda de que 72 estudiosos judeus, em 72 dias, traduziram os textos do hebraico para o grego. Embora seja um número simbólico, a lenda sugere a ideia de um trabalho conjunto entre estudiosos.

O Contexto da Septuaginta

Na época em que a Septuaginta foi traduzida, muitos judeus da diáspora, especialmente aqueles que viviam fora de Israel, não falavam mais o hebraico. O grego era a língua do comércio e da educação no Mediterrâneo Oriental, o que tornou necessário que as Escrituras Hebraicas fossem traduzidas para essa língua.

A Septuaginta não se limitou apenas a traduzir o texto hebraico, mas também o expandiu, incluindo alguns livros que não estavam presentes no cânon hebraico original, como os livros de Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico (Ben Sira), Baruque e 1 e 2 Macabeus. Esses livros são conhecidos como Deuterocanônicos nas tradições católicas e ortodoxas, mas são considerados apócrifos pela tradição protestante.

Importância da Septuaginta

A Septuaginta teve uma enorme influência no desenvolvimento do cristianismo primitivo, pois era a versão das Escrituras utilizada pelos primeiros cristãos de língua grega, incluindo os autores do Novo Testamento. Muitos dos escritores do Novo Testamento citaram diretamente a Septuaginta ao referenciar o Antigo Testamento, o que fez com que algumas das diferenças entre o texto hebraico e o grego fossem preservadas no Novo Testamento.

Além disso, a Septuaginta ajudou a difundir o conhecimento das Escrituras Judaicas no mundo helenístico, ampliando o alcance das crenças judaicas e, mais tarde, cristãs, além de ser uma ponte cultural entre os judeus e os gregos.


A Vulgata: A Bíblia em Latim

Com a expansão do cristianismo no Império Romano, surgiu a necessidade de uma tradução da Bíblia para o latim, a língua oficial do império. Embora existissem várias traduções latinas do Antigo e Novo Testamentos no início da era cristã (conhecidas coletivamente como Vetus Latina), essas traduções eram muitas vezes inconsistentes e imprecisas.

Foi no final do século IV d.C. que o estudioso e teólogo São Jerônimo foi encarregado pelo Papa Dâmaso I de criar uma versão unificada e autoritativa das Escrituras em latim. A tradução de Jerônimo ficou conhecida como a Vulgata, que significa “popular” ou “comum”, pois era destinada a ser uma versão da Bíblia compreensível para as massas de cristãos falantes de latim.

O Processo de Tradução de Jerônimo

São Jerônimo iniciou seu trabalho revisando as traduções latinas existentes do Novo Testamento. Em seguida, voltou-se para o Antigo Testamento, e, ao contrário das versões anteriores que se baseavam na Septuaginta, Jerônimo optou por traduzir diretamente do hebraico. Isso marcou uma diferença significativa em relação a outras traduções latinas, já que Jerônimo acreditava que uma tradução mais próxima do texto hebraico seria mais fiel ao sentido original das Escrituras.

Apesar de sua decisão de usar o hebraico como base para o Antigo Testamento, Jerônimo traduziu os livros Deuterocanônicos a partir da Septuaginta, já que esses livros não faziam parte do cânon hebraico tradicional, mas eram amplamente aceitos pelas comunidades cristãs.

Importância da Vulgata

A Vulgata de São Jerônimo tornou-se a versão oficial da Bíblia para a Igreja Católica por mais de mil anos. Ela desempenhou um papel crucial na formação do cristianismo ocidental e no desenvolvimento da teologia cristã. Foi a Bíblia utilizada por figuras importantes da Idade Média, como Santo Agostinho e Tomás de Aquino, e moldou a espiritualidade e a cultura da Europa durante séculos.

Além disso, a Vulgata serviu como a base para muitas outras traduções da Bíblia, tanto para idiomas vernáculos quanto para outros contextos teológicos. Por exemplo, durante a Reforma Protestante, quando Lutero traduziu a Bíblia para o alemão, ele se baseou em parte na Vulgata, embora tenha também consultado os textos originais em hebraico e grego.


Traduções Posteriores e o Impacto Cultural

As traduções da Bíblia continuaram a se desenvolver ao longo da história. A invenção da imprensa por Gutenberg no século XV facilitou a disseminação das traduções bíblicas, e a Reforma Protestante no século XVI impulsionou a tradução da Bíblia para as línguas vernáculas, como inglês, alemão e francês.

O Movimento da Reforma e a Tradução da Bíblia

Durante a Reforma, figuras como Martinho Lutero defendiam que a Bíblia deveria estar disponível na língua de cada nação, acessível a todos os crentes. Lutero traduziu a Bíblia para o alemão em 1534, o que teve um impacto profundo no protestantismo e na cultura alemã. Da mesma forma, na Inglaterra, a Bíblia de King James (1611) tornou-se uma das traduções mais influentes em inglês, moldando tanto o idioma quanto a prática religiosa.

O Papel das Traduções no Mundo Contemporâneo

Hoje, a Bíblia é o livro mais traduzido do mundo, disponível em milhares de línguas. Cada nova tradução tem o desafio de preservar a fidelidade ao texto original enquanto tenta ser relevante e compreensível para seu público contemporâneo. Essa prática contínua de tradução reflete o desejo das comunidades religiosas de manter o texto bíblico vivo e acessível a cada geração.


A história das traduções da Bíblia reflete não apenas a evolução linguística e cultural, mas também o profundo desejo de diferentes comunidades de manter e difundir a palavra divina. Desde a Septuaginta, que tornou as Escrituras acessíveis à diáspora judaica no mundo helenístico, até a Vulgata, que serviu como padrão na Europa cristã por séculos, cada tradução representou um esforço monumental de preservação e adaptação das Escrituras.

O impacto dessas traduções transcendeu o contexto religioso, influenciando a literatura, a filosofia e a arte de diferentes culturas. Hoje, com traduções modernas em constante revisão, a Bíblia continua a ser um texto central para milhões de pessoas ao redor do mundo.

Para mais informações sobre as traduções da Bíblia, consulte:

  1. Philip Schaff, “History of the Christian Church” – uma fonte importante sobre a história do cristianismo e a Vulgata.
  2. F. F. Bruce, “The Canon of Scripture” – uma análise profunda sobre o processo de formação e tradução do cânon bíblico.

Até mais!

Equipe Tête-à-Tête