“A Mentalidade Conservadora” (em inglês, The Conservative Mind), publicado pela primeira vez em 1953, é uma das obras mais influentes do pensamento conservador do século XX. Escrito por Russell Kirk, um dos maiores intelectuais conservadores americanos, o livro busca traçar as raízes filosóficas, morais e políticas do conservadorismo, explorando os principais pensadores e movimentos que moldaram essa corrente de pensamento. Ao longo das mais de 500 páginas da obra, Kirk fornece uma visão panorâmica das ideias conservadoras, ancorando-as em uma tradição que remonta ao século XVIII e argumentando que a estabilidade, a ordem e a continuidade são os pilares de uma sociedade justa e equilibrada.


Contexto Histórico e Relevância

Russell Kirk escreveu A Mentalidade Conservadora em um período crucial da história política dos Estados Unidos e do Ocidente. No pós-Segunda Guerra Mundial, o mundo estava dividido entre as ideologias de esquerda, como o socialismo e o comunismo, e as correntes que defendiam a liberdade individual e a preservação das tradições. O livro de Kirk foi uma resposta a essa tensão ideológica, oferecendo uma alternativa conservadora ao que ele via como o radicalismo e a quebra das tradições estabelecidas.

No entanto, Kirk não estava interessado em defender o conservadorismo como uma ideologia revolucionária ou reacionária. Pelo contrário, ele argumenta que o conservadorismo não é uma ideologia no sentido estrito, mas uma atitude em relação à sociedade, à política e à vida. Segundo Kirk, os conservadores valorizam a continuidade e a permanência, acreditando que as instituições, as tradições e os costumes que se desenvolveram ao longo do tempo são fundamentais para o bom funcionamento da sociedade.


Estrutura do Livro

A obra é dividida em seis partes, cobrindo uma vasta gama de figuras e ideias que, segundo Kirk, moldaram o pensamento conservador. A partir de Edmund Burke, o fundador do conservadorismo moderno, até o início do século XX, Kirk traça um arco que mostra como o conservadorismo evoluiu em diferentes contextos históricos e políticos, desde a Inglaterra até os Estados Unidos.

Ao longo do livro, Kirk destaca diversos pensadores que contribuíram para o desenvolvimento do pensamento conservador, como John Adams, Samuel Taylor Coleridge, John Henry Newman, e T. S. Eliot. Cada um desses intelectuais é explorado em profundidade, com Kirk analisando suas ideias e mostrando como elas se alinham com os princípios fundamentais do conservadorismo.


O Conservadorismo como Antítese do Radicalismo

Para Kirk, o conservadorismo é, em essência, a antítese do radicalismo. Onde os radicais buscam transformar a sociedade de forma abrupta e revolucionária, os conservadores defendem a prudência, a evolução gradual e o respeito pelas tradições estabelecidas. Essa dicotomia é central ao argumento de Kirk, e ele a explora ao longo do livro, mostrando como os conservadores sempre se opuseram a movimentos como o socialismo, o comunismo e o liberalismo radical.

Kirk argumenta que o conservadorismo não é contrário à mudança em si, mas à mudança desordenada e precipitada. Ele cita Edmund Burke, ferrenho crítico da Revolução Francesa, como um exemplo de conservador e um dos pais do conservadorismo. Os conservadores não são inimigos da mudança, mas acreditam que ela deve ser feita de forma cautelosa e responsável, levando em consideração as lições da história e as tradições que moldaram a sociedade ao longo do tempo. Ao enfatizar essa ideia, Kirk busca contrastar a postura conservadora com o radicalismo, que muitas vezes ignora as consequências a longo prazo de mudanças drásticas.


Os Seis Princípios do Conservadorismo

Em A Mentalidade Conservadora, Russell Kirk formula o que ele acredita serem os seis princípios centrais do conservadorismo. Esses princípios servem como uma base teórica para entender o que distingue o conservadorismo de outras correntes ideológicas:

  1. Crença em uma ordem transcendente: Para os conservadores, existe uma ordem moral superior, que é o alicerce da sociedade. Essa ordem transcendente pode ser de natureza religiosa, como no cristianismo, ou de uma filosofia moral mais ampla. Kirk argumenta que, sem essa âncora moral, a sociedade se desintegra no relativismo e no caos.
  2. Afiliação ao costume, convenção e continuidade: O conservador valoriza as tradições e os costumes que foram transmitidos de geração em geração. Essas tradições são a base da estabilidade social e devem ser preservadas.
  3. Princípio da prescrição: A sociedade evolui ao longo do tempo com base na experiência acumulada de gerações. Para Kirk, a sabedoria dos antepassados não deve ser ignorada, pois eles já enfrentaram muitos dos desafios que nós encontramos hoje.
  4. Prudência política: O conservador não busca mudanças abruptas ou revolucionárias. As reformas, quando necessárias, devem ser realizadas de maneira cuidadosa e ponderada, levando em consideração os possíveis efeitos colaterais.
  5. Variedade social: Kirk argumenta que a igualdade absoluta entre os homens é uma ilusão e que a sociedade deve abraçar as diferenças naturais entre os indivíduos. Isso não significa desigualdade de direitos, mas o reconhecimento de que as hierarquias e as distinções sociais são inevitáveis e, em muitos casos, benéficas.
  6. Imperfeição humana: Diferente de ideologias progressistas que acreditam na perfectibilidade do ser humano, os conservadores aceitam a imperfeição inerente à natureza humana. As instituições e leis devem levar em consideração essa realidade, limitando os impulsos destrutivos e canalizando a energia humana para o bem comum.

A Tradição Conservadora na Inglaterra e nos EUA

Ao longo de A Mentalidade Conservadora, Russell Kirk dedica grande parte da obra a examinar a tradição conservadora na Inglaterra e nos Estados Unidos. Para Kirk, essas duas nações são fundamentais para entender o desenvolvimento do conservadorismo moderno. Ele começa sua análise com Edmund Burke, o filósofo e político irlandês do século XVIII, que é amplamente considerado o pai do conservadorismo moderno.

Burke foi um crítico feroz da Revolução Francesa e acreditava que as mudanças sociais radicais resultariam em violência e desordem. Burke defendia uma abordagem mais gradual e orgânica às reformas sociais, com respeito às instituições e tradições estabelecidas. Kirk enxerga Burke como o modelo ideal de conservadorismo, e suas ideias permeiam todo o livro.

Nos Estados Unidos, Kirk identifica uma linha de pensamento conservador que remonta aos Pais Fundadores, como John Adams e Alexander Hamilton. Ambos defendiam a necessidade de limitar o poder do governo e de manter uma ordem social baseada na virtude cívica e na responsabilidade individual. Kirk argumenta que os Estados Unidos têm uma tradição conservadora distinta, baseada na defesa da liberdade individual e na desconfiança em relação ao poder centralizado.


A Defesa da Liberdade e da Propriedade Privada

Um dos temas centrais no pensamento conservador, segundo Kirk, é a defesa da liberdade individual e da propriedade privada. O conservadorismo valoriza a autonomia do indivíduo, mas reconhece que essa autonomia só pode ser garantida dentro de uma ordem social estável e justa. A propriedade privada é vista como uma extensão da liberdade individual, pois permite que os indivíduos adquiram e controlem os frutos de seu próprio trabalho.

Kirk critica as ideologias que buscam centralizar o poder econômico e político, como o socialismo e o comunismo. Para ele, essas ideologias minam a liberdade individual e levam à tirania. Ao invés disso, o conservadorismo defende uma economia de mercado livre, onde a propriedade privada e o empreendimento individual são incentivados e protegidos.


A Religião e a Moralidade no Conservadorismo

Outro aspecto crucial do conservadorismo para Kirk é a relação entre a religião e a moralidade. Ele argumenta que uma sociedade que perde seu fundamento religioso e moral está condenada à desordem e ao caos. Para Kirk, a religião fornece a base moral necessária para que a liberdade individual possa florescer de maneira responsável.

Ao longo do livro, Kirk cita diversas figuras que exemplificam essa defesa da moralidade religiosa, como T. S. Eliot, John Henry Newman e Samuel Taylor Coleridge. Esses pensadores acreditavam que a religião cristã, em particular, era essencial para a manutenção da ordem social e da justiça. O conservadorismo, portanto, não pode ser separado de uma visão moral e espiritual da vida.


Crítica ao Progressismo e ao Liberalismo Radical

Em A Mentalidade Conservadora, Kirk também oferece uma crítica abrangente ao progressismo e ao liberalismo radical. Ele vê essas correntes de pensamento como perigosas porque elas tentam reestruturar a sociedade com base em princípios abstratos e utópicos, sem levar em consideração a complexidade da natureza humana e das tradições sociais.

Kirk critica a tendência progressista de buscar a igualdade absoluta, argumentando que essa busca leva inevitavelmente à opressão e à tirania. Ele também critica o liberalismo radical por sua ênfase excessiva no individualismo e sua desconsideração pelas responsabilidades sociais e comunitárias.


Conclusão

A Mentalidade Conservadora de Russell Kirk é uma obra-prima do pensamento conservador, oferecendo uma defesa eloquente e persuasiva das tradições, da ordem social e da liberdade individual. Kirk não apenas traça as raízes filosóficas e históricas do conservadorismo, mas também oferece uma visão clara de por que essas ideias são tão importantes para a preservação de uma sociedade justa e estável.

Para aqueles que buscam entender o conservadorismo em profundidade, A Mentalidade Conservadora é uma leitura indispensável. Kirk oferece um argumento poderoso contra o radicalismo e o progressismo, mostrando que a verdadeira liberdade e justiça só podem ser alcançadas dentro de uma ordem moral e social bem estabelecida. O livro continua a ser uma fonte de inspiração para conservadores em todo o mundo, destacando a importância de preservar as tradições e as instituições que sustentam a civilização ocidental.


Até mais!

Equipe Tête-à-Tête