Michael Oakeshott, um dos mais influentes filósofos políticos conservadores do século XX, deixou um importante legado de reflexões críticas sobre a natureza da política, suas limitações e os perigos das ideologias. Em A Política da Fé e a Política do Ceticismo, Oakeshott se aprofunda nas tensões entre duas visões distintas da política que moldaram o pensamento ocidental: uma baseada na fé na perfectibilidade humana por meio da política e outra fundada no ceticismo quanto à capacidade da política de transformar a natureza humana ou criar uma sociedade perfeita.

Publicada em 1996, após a morte de Oakeshott, a obra é uma combinação de ensaios em que o autor investiga as implicações dessas duas abordagens políticas, apresentando um estudo rigoroso das consequências que resultam da prevalência de cada uma. Através dessas análises, Oakeshott explora não apenas a política em seu sentido pragmático, mas também os fundamentos filosóficos que subjazem às diferentes maneiras de conceber a relação entre o indivíduo, o Estado e a sociedade.


A Política da Fé

O conceito de “política da fé” representa, para Oakeshott, a crença de que o governo e as instituições políticas podem e devem desempenhar um papel central na transformação da sociedade e na criação de um mundo ideal. Esta abordagem é movida por uma confiança quase ilimitada nas capacidades humanas e na possibilidade de reorganizar a vida social de modo a alcançar a justiça, a liberdade e o bem-estar pleno. Aqueles que seguem essa linha de pensamento enxergam a política como o veículo principal para a redenção da humanidade, muitas vezes inspirados por utopias filosóficas e religiosas.

Para os defensores da “política da fé”, a política não é apenas um conjunto de arranjos práticos para manter a ordem e resolver conflitos. É uma missão, uma causa quase redentora que visa melhorar a condição humana de maneira abrangente. Na obra, Oakeshott ilustra que essa perspectiva pode ser encontrada tanto em visões religiosas de governo, como o teocrático, quanto em ideologias políticas seculares como o comunismo ou o fascismo, que buscam criar um “novo homem” e um “novo mundo” por meio do controle e da transformação do Estado.

Oakeshott traça paralelos entre a política da fé e a teologia política, observando que muitos regimes políticos modernos, especialmente aqueles de caráter totalitário, compartilham semelhanças com religiões. Eles prometem um futuro utópico — o “paraíso na terra” — e esperam um grau de submissão e fé quase religioso de seus seguidores. Para tais regimes, a política é uma forma de fé secular, com líderes funcionando como messias e o Estado como uma entidade quase divina.

A crítica de Oakeshott a essa forma de política se baseia no reconhecimento de que, na tentativa de moldar a sociedade de acordo com um ideal, a política da fé muitas vezes leva à opressão e à tirania. Ele argumenta que, na busca pela perfeição social, essa abordagem ignora as imperfeições inerentes à natureza humana, o que pode resultar em intervenções autoritárias e centralizadas que restringem a liberdade e a autonomia dos indivíduos.


A Política do Ceticismo

Em contraste, a “política do ceticismo” é uma abordagem que desconfia da capacidade da política de transformar fundamentalmente a sociedade ou de resolver todos os problemas da condição humana. Essa visão enxerga o governo como uma instituição limitada, cuja principal função é manter a ordem e permitir a coexistência pacífica entre indivíduos que têm interesses, valores e objetivos muitas vezes conflitantes. Para os céticos, a política deve ser pragmática, buscando soluções incrementais para problemas específicos e evitando tentativas de reformar radicalmente a sociedade.

Na política do ceticismo, o Estado é visto como um mal necessário — uma instituição imperfeita que deve ser controlada para evitar abusos de poder, mas que é essencial para evitar a anarquia. Oakeshott defende que essa abordagem reconhece as limitações da razão humana e aceita a imperfeição como uma característica intrínseca da vida política. Ele acredita que o papel da política não é alcançar um ideal de perfeição, mas gerenciar e mitigar os conflitos inevitáveis que surgem em qualquer sociedade pluralista.

O ceticismo político, segundo Oakeshott, é uma defesa da liberdade individual e uma resistência a qualquer tentativa de homogeneizar a sociedade de acordo com um padrão único ou uma ideologia dominante. Ele argumenta que as tradições políticas britânicas, como o conservadorismo de Edmund Burke, estão enraizadas em uma política de ceticismo, que valoriza a continuidade e a preservação de instituições testadas pelo tempo, em vez de reformas radicais que possam desestabilizar a ordem social.


Oakeshott e o Conservadorismo

Oakeshott é frequentemente associado ao pensamento conservador, mas seu conservadorismo é distintamente filosófico e cultural, em vez de ser meramente político ou partidário. Ele acreditava que a política deve ser um exercício moderado e prudente, baseado na experiência e nas tradições acumuladas de uma sociedade. Para ele, o conservadorismo não é uma ideologia com um conjunto rígido de princípios a serem impostos, mas uma disposição para preservar o que é valioso no presente, reconhecendo a complexidade e a imprevisibilidade da vida social.

Em A Política da Fé e a Política do Ceticismo, Oakeshott elabora uma crítica implícita às ideologias radicais de esquerda e direita, que tendem a abraçar a política da fé em sua busca por uma sociedade ideal. Ele adverte contra o perigo de qualquer movimento político que pretenda substituir a pluralidade e a complexidade da vida humana por uma visão única e homogênea de como as coisas deveriam ser.


A Relevância Contemporânea da Análise de Oakeshott

A análise de Oakeshott sobre a tensão entre a política da fé e a política do ceticismo é extremamente relevante para a compreensão dos debates políticos contemporâneos. Em um mundo onde ideologias polarizadas continuam a dominar o cenário político, a obra de Oakeshott oferece uma defesa poderosa da moderação, da prudência e do ceticismo em relação às promessas de redenção política.

No contexto atual, vemos movimentos políticos que, em muitos aspectos, representam a política da fé, buscando transformar a sociedade de maneira ampla e muitas vezes utópica. Exemplos disso podem ser observados tanto em governos de orientação socialista, que aspiram a uma redistribuição radical da riqueza e da propriedade, quanto em movimentos populistas que prometem restaurar uma ordem idealizada do passado. Ambos, em sua essência, partilham da crença de que a política pode e deve ser usada como uma ferramenta para moldar a sociedade de acordo com uma visão específica de perfeição.

Por outro lado, o ceticismo político de Oakeshott oferece um antídoto a essas visões, ao lembrar que a política deve ser, acima de tudo, um mecanismo de contenção, e não de imposição. Ele nos adverte contra a tentação de acreditar que o Estado pode resolver todos os problemas ou realizar todas as aspirações humanas. Em vez disso, a política deve ser vista como uma atividade limitada, focada na manutenção da ordem e da liberdade, e não na busca por um ideal inalcançável.


A Política da Fé e a Política do Ceticismo é uma obra essencial para aqueles que desejam entender a natureza profunda da política e os perigos das ideologias totalizadoras. Michael Oakeshott nos lembra que, por mais tentador que seja acreditar na capacidade da política de transformar o mundo, devemos permanecer céticos em relação a qualquer promessa de redenção por meio do poder político.

Oakeshott argumenta de forma persuasiva que a liberdade e a ordem são melhores garantidas por uma política de ceticismo — uma política que respeita as tradições, as limitações humanas e a pluralidade inerente à vida social. Em um mundo onde os extremos ideológicos continuam a disputar o controle, as reflexões de Oakeshott oferecem uma visão prudente e moderada da política, que valoriza a continuidade e a preservação do que é bom, ao invés de ceder à tentação de mudar tudo em nome de um ideal.

Sua defesa do ceticismo político é uma lição atemporal sobre os perigos do excesso de confiança na capacidade da política de reformar a sociedade e os seres humanos, oferecendo um contraponto necessário à fé irrestrita nas soluções políticas.


Até mais!

Equipe Tête-à-Tête